Crítica
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Sinopse
Gelsomina é vendida pela mãe a Zampano, artista ambulante que vai de lugar em lugar demonstrando sua força descomunal. Maltratada pelo 'dono', ela acaba encontrando a gentileza e vislumbrando um futuro diferente ao conhecer um equilibrista bastante gentil.
Crítica
Quem é Gelsomina? Quem é Zampanó? E, em última instância, quem seria O Tolo? Estes três personagens estão no centro da ação de A Estrada da Vida, o maior dos clássicos iniciais de Federico Fellini – foi o primeiro dos quatro Oscars de Melhor Filme Estrangeiro que ele ganhou em toda a sua carreira – e o exemplo mais absoluto dessa fase inaugural de sua carreira, quando ainda se preocupava com roteiros com início, meio e fim, personagens construídos a partir de uma elaborada verossimilhança e narrativas mais tradicionais – o que de forma alguma quer dizer menos interessantes. O diretor apresenta aqui uma das estruturas mais reduzidas de toda a sua obra, e mesmo com tão pouco alcança resultados impressionantes, falando de si e de sua aldeia para todo o mundo ouvir. E como ouviu.
Nos primeiros minutos nos deparamos com a pobre Gelsomina sendo vendida pela própria mãe ao bruto Zampanó, um homem bom, porém de não muitos rodeios. Essa é a segunda filha que vem buscar – a irmã mais velha morreu, coitada, e não se sabe como e em quais circunstâncias. Ninguém está ali para fazer muitas perguntas. Em uma família de miseráveis, uma boca a menos a alimentar já faz diferença, mesmo que haja sentimentos entre a que parte e os que ficam – lamenta-se, mas o que pode ser feito? Zampanó é artista de circo, ganha a vida libertando-se de correntes com seu peito estufado. Porém é ele também que a prende, levando-a como esposa mas tratando-a como serviçal e, ocasionalmente, como escape sexual. A afeição entre eles resume-se às coisas práticas: ela o ajuda, ele provém aos dois. Mas nada como o tempo para alterar o que parecia definitivo.
Ele sobrevive com demonstrações de força, mas aos poucos torna-se refém dela. Gelsomina – que, ao lado de Cabíria e de Julieta, compõe o trio de personagens marcantes interpretadas por Giulietta Masina, todas criadas por seu marido – é a resistência, a candura e a alegria. Ingênua a ponto de acreditar em um possível amor – talvez não romântico, muito menos voluptuoso, mas ainda assim, amor – entre eles, faz-lhe suas vontades mesmo quando abandonada para que ele possa passar a noite com uma prostituta mais oferecida. E quando o Tolo entra na equação, o que parecia dominador revela-se dominado, mostrando-se fraco pelo ciúmes e pelo temor de perceber seu frágil equilíbrio ameaçado. O interesse dela por esse novato seria genuíno, ou apenas uma forma de escapismo? Nenhum deles dá valor ao que possui enquanto o tem, apenas após perdê-lo. Uma lição, aliás, que somente será aprendida quando já for tarde demais.
Anthony Quinn foi o primeiro dos grandes astros internacionais a reconhecer em Fellini um mestre e fazer um esforço extra, deixando Hollywood para trás – ainda que momentaneamente – para atuar sob suas ordens. Donald Sutherland fez o mesmo caminho anos depois (Casanova, 1976), mas Paul Newman (cogitado para A Doce Vida, 1960) e Dustin Hoffman (primeira opção pensada para Cidade das Mulheres, 1980) recusaram-se, para felicidade de Marcello Mastroianni (que pegou os dois papéis, tornando-se o colaborador mais frequente do cineasta). Quinn é a força bruta, e desempenha com vigor o papel que lhe convém: o corpo. Sim, pois ele é a energia, enquanto que o Tolo (Richard Basehart, que estaria também em A Trapaça, 1955) surge como o cérebro, o inteligente, o que prefere soar como tal apenas para disfarçar sua verdadeira natureza. E entre estes extremos, o que sobra para Gelsomina desempenhar? O coração, evidentemente. Ela é puro sentimento, e dessa verdade ninguém escapa.
Fellini discute seus antecedentes ligados ao neorrealismo italiano em A Estrada da Vida ao vislumbrar uma Itália combalida, recém saída da guerra e que ainda não sabe para onde seguir. Arrependida por décadas de cegueira e atraso, assim é Zampanó, que quando olha para trás, já no fim de sua vida, tudo que lhe resta é lamentar. Porém, como poderia ter agido diferente? Se tudo que lhe resta são as algemas que o prendem e lhe soltam ao mesmo tempo, dia após dia, vem do olhar cândido e jeito quase infantil da mulher que o acompanhava menos por obrigação e mais por destino a certeza de que, ao menos naqueles instantes, alguma coisa de certo havia sido feito. Ele fizera. E se lhe parece tarde demais para consertar os erros do passado, lamentar também não é uma solução. Reconhecer é importante, mas aprender com sua própria história e saber para onde olhar adiante é fundamental. Afinal, a estrada é uma só, a única diferença é o ponto dela onde nos encontramos.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 10 |
Chico Fireman | 8 |
Bianca Zasso | 8 |
Marcelo Müller | 8 |
MÉDIA | 8.5 |
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