Crítica
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Sinopse
Uma noite, os trabalhadores de uma fábrica de elevadores em Portugal veem as máquinas serem colocadas em furgões e levadas. Sem conseguirem impedir a ação, questionam os patrões e descobrem que os equipamentos estão sendo transportados para fábricas mais baratas. A intenção é fechar o local, deixando dezenas de trabalhadores desempregados. Começa a luta do grupo para manter seus empregos, sua dignidade e questionar o sistema que permite que essa situação aconteça.
Crítica
A priori, uma fábrica perde o sentido sem a sua atividade produtiva. De maneira semelhante, um trabalhador inexiste, enquanto ator social de uma lógica capitalista, se de braços cruzados. Baseado no argumento de Jorge Silva Melo que, por sua vez, inspirou-se na peça teatral De Nietsfabriek, da escritora Judith Herzberg, o cineasta português Pedro Pinho aborda os efeitos práticos, coletivos e, até, filosóficos da interrupção de uma linha de montagem de elevadores em Portugal. Tendo como argumento as consequências da crise econômica europeia, os patrões, ou melhor, seus representantes, encaminham o desmantelamento do negócio. Aos funcionários, contudo, a perda do emprego significa muitas coisas. Num momento inicial, aponta à incapacidade de subsistir num sistema que A Fábrica do Nada coloca totalmente em xeque. A ação furtiva de esvaziar o galpão na calada da noite, sem comunicado prévio aos operários, deflagra um modus operandi em que a covardia fica escudada por um suposto pragmatismo inerente às transações do livre mercado.
A observação desse conflito parte da esfera direta, com burocratas tentando seduzir homens e mulheres prestes a serem privados de sua fonte de renda. O realizador se aproxima das pessoas quase de forma documental, numa encenação que exala naturalismo, com a câmera pretensamente perseguindo emoções genuínas, embora haja claramente uma construção que visa ressaltar determinados ânimos e ímpetos. O andamento das negociações desnuda lógicas perversas, espécie de anticorpos que o próprio capitalismo nutre para utilização conveniente. As conversas da representante do Recursos Humanos com os funcionários é um exemplo bastante claro da denúncia que o longa-metragem assume. Jogando com o desespero de sujeitos ainda desorientados diante da possibilidade de cair inapelavelmente na miserabilidade, a preposto oferece quantias irrisórias, proferindo um discurso que visa, ainda, fazer a empresa passar a imagem de boa samaritana. A sedução da esposa de um dos contratados é um tanto acintosa demais, porém reforça isso.
A Fábrica do Nada utiliza com sabedoria seus quase 180 minutos, passeando parcimoniosamente pelos diversos conflitos decorrentes da situação periclitante. Enquanto uns decidem permanecer, ocupar as instalações e impedir a entrada dos patrões, outros optam por abreviar a luta, talvez por ausência de forças. Pedro Pinho não dá espaços para quaisquer julgamentos, mesmo que claramente se coloque ao lado dos resistentes. Isso se dá exatamente pela noção, minuciosamente construída, de que desistir não é sinônimo de fraqueza, mas da falta de poderio e ânimo diante dos fundamentos selvagens apregoados pelas famigeradas leis de mercado. Num plano íntimo, as atenções se voltam ao jovem José (José Smith Vargas), a quem acompanhamos mais. Ele é casado com uma brasileira, tem um filho a quem provavelmente deseja transmitir valores, e um pai com arroubos revolucionários. Esse passeio geracional, guiado pelas idiossincrasias de cada um, permite a construção sutil de um panorama histórico e social, essencial à pungência do filme.
Demonstrando coragem, Pedro Pinho oferece quebras pontuais do fluxo narrativo predominante, permitindo respiros expressivos, como as divagações dos intelectuais que debatem as circunstâncias numa dimensão teórica. Destacando a importância das ideias, sem com isso minimizar a soberania da experiência prática dos trabalhadores, bem como as suas demandas urgentes, o realizador cria uma discussão ampla, sem ambiente para platitudes. O arrojo fica evidente num trecho em que literalmente os personagens cantam a dançam por conta da felicidade da vitória momentânea, instante logo contraposto pelas exigências da realidade. A Fábrica de Nada lança enunciados, questiona ideologias e mira instâncias produtivas como sintoma de enfermidades globais. Para isso, se vale de uma linguagem criativa, relacionando público e privado a fim de chegar a um resultado multifacetado e enriquecedor. Não é isento de falhas, como a extensão desnecessária de certos planos e situações, mas expõe de forma vibrante e inteligente boa parte do que nos achata cotidianamente.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 8 |
Chico Fireman | 7 |
Francisco Carbone | 9 |
Diego Benevides | 8 |
MÉDIA | 8 |
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