Crítica
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Sinopse
Após uma visita à cartomante, Zulmira é informada que uma loira pode ameaçar sua paz. Ao conversar com seu marido Toninho, ela desconfia que a prima Glorinha pode ser a tal loira. Mal de saúde, Zulmira faz todos os preparativos para o dia de sua morte e pede ao marido desempregado que trate dos custos do caixão e funeral com um homem chamado João Guimarães Pimentel. O que Toninho não sabe é que Zulmira e este homem escondem alguns segredos que ele jamais poderia imaginar.
Crítica
Ela vai buscar as roupas estendidas no pátio de casa. Uma chuva torrencial começa. A mulher corre para levar as peças para dentro. De repente, ela para na porta. Resolve sair e curtir o momento, na falta de definição melhor. A água que cai do céu serve como um alento às suas amarguras de dona de casa que se reprime sexualmente. Não apenas isso. É um processo de autopunição por uma infelicidade que não se sabe se é apenas do casamento desestruturado, de um caos social ou da falta de paixão por tudo. Mas a chuva, essa danada, lava a alma desta personagem tão rodriguiana quanto carismática. A morte, o pensamento que corrói sua mente como obsessão total, dá uma pausa. É um belo plano de Leon Hirszman e talvez um dos mais emblemáticos do Cinema Novo no comovente A Falecida, adaptação do texto de Nelson Rodrigues. No centro de tudo está Fernanda Montenegro, em seu primeiro papel para o cinema.
Ela é Zulmira, uma mulher como tantas outras do subúrbio brasileiro, que vê em sua existência um vácuo praticamente impossível de preencher. Seu marido, Toninho (Ivân Candido), está desempregado e vive entre a sinuca e a torcida pelo Vasco no Campeonato Carioca. O interesse por ela é quase nulo, seja na cama ou nas conversas do café da manhã, do almoço, do jantar. A protagonista é isolada por todos e por ela mesmo nesta falta de perspectivas. A ideia de glória surge com sua morte: ela quer um funeral tão bonito quanto nunca se viu antes naquelas redondezas. Seu futuro é apenas este: o além vida. Lá, quem sabe, encontre algum descanso para sua falta de prazer no lar ou fora dele.
O longa de Hirszman retrata as classes mais populares naquele modus operandi que todos conhecemos: trabalho, casa, sono. A diversão se prende ao futebol, às fofocas da vizinhança ou ao barzinho mais próximo. Não há interesse pela política. Mas será que a alienação se dá apenas com quem pertence às camadas mais esquecidas da população? A crítica aqui parece ser mais ao modo como as pessoas são educadas, não a elas como um todo. É o que a sociedade impõe que sejam. Não à toa, a escolha da direção em filmar o cotidiano da forma mais crua e documental possível.
Porém, a estrela aqui tem nome. O mesmo que seria indicado ao Oscar mais de 30 anos depois. Fernanda Montenegro coloca seu talento e poder à disposição de Zulmira, tornando-a uma personagem inesquecível. Na pele de outra, talvez fosse apenas uma mulher frágil e delicada e, por tais motivos, ficasse claro e sem tantas leituras o que se passa em sua mente. Porém, a monstruosidade no realismo de Fernandona (ainda que à época não fosse conhecida assim), sua voz grave e incisiva e seu olhar compenetrado, trazem uma complexidade indescritível para esta mulher que só quer a própria morte. O mais irônico de tudo é que, talvez, só assim ela consiga, de fato, viver.
O texto rodriguiano é claro nos diálogos venenosos de Nelson Xavier e Joel Barcellos, sócios da funerária que desconfiam dos motivos de Zulmira. Hirszman aproveita as discussões propostas por Rodrigues em seu texto original e as coloca no contexto social e político do Cinema Novo. Tudo se torna mais intimista. A moralidade de Zulmira sobre sexo, que não coloca biquíni e, por isso, não vai à praia, se coloca em contraponto à maneira como ela mesma faz com que outra personagem se jogue para cima de Toninho. O marido, tão alienado quanto ela, só se interessa por futebol. Duas almas perdidas que, em vez de se unirem, acabam se perdendo ainda mais quando não conseguem enxergar um ao outro.
A Falecida rendeu diversos prêmios, como Melhor Filme, Diretor, Ator (Paulo Gracindo) e Argumento no Segundo Festival de Cinema de Teresópolis, em 1965, além de ter sido eleito 50 anos depois como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos segundo Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Mas são os closes no rosto de Fernanda Montenegro que se tornam inesquecíveis. Não à toa, levou os prêmios de melhor atriz na Primeira Semana do Cinema Brasileiro, o atual Festival de Brasília, e também no Prêmio Governador do Estado de São Paulo. Ainda mais quando se lembra, novamente, a felicidade de Zulmira com o rosto molhado pela chuva. Talvez o único alívio verdadeiro que tenha tido na vida.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Matheus Bonez | 9 |
Robledo Milani | 9 |
Wallace Andrioli | 8 |
Marcelo Müller | 9 |
MÉDIA | 8.8 |
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