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Sinopse

Em A Família Khumalo, antigas melhores amigas se tornam, agora, arqui-inimigas ferozes. Isso porque, ao se tornarem vizinhas, entram em pé e guerra quando descobrem que o filho de uma e a filha de outra se apaixonaram. Esse romance não pode acontecer. Drama.

Crítica

A Família Khumalo é daquele tipo de comédia rasgada que poderia ter remakes em qualquer parte do mundo sem a necessidade de muitas adaptações culturais. Embora haja um dado sobre os costumes de parte da população da África do Sul, o filme se baseia em questões universais com as quais todo espectador pode se identificar em alguma medida. Nele, a família chefiada pela guia de turismo Bongi (Ayanda Borotho) se muda de uma área periférica para o tão sonhado condomínio de casas de luxo, especificamente à propriedade que faz divisa com a mansão da dondoca Grace (Khanyi Mbau). Quando as duas mulheres se enxergam, o ódio mútuo é palpável. Qual a probabilidade de as ex-melhores amigas da infância, que se distanciaram por uma questão mal resolvida, voltarem a se encontrar anos depois e se tornarem arqui-inimigas? Bom, de fato isso acontece e o primeiro problema a ser encarado é que os emergentes possuem um modo mais animado de existir naquele lugar, algo completamente destoante da ordem hermética que Grace ajuda a manter num território repleto de gente bem de vida. A comédia se dá justamente na guerra travada entre Bongi e Grace, mas logo uma subtrama começa a crescer e domina a linha principal da narrativa. Também apelando para o destino irônico, os roteiristas Gillian Breslin e Wendy Gumede mostram que os primogênitos das mulheres têm se relacionado às escondidas.

Então, rapidamente o enredo abandona a guerra como ponto principal e a desloca até ela virar um componente anexo ao amor proibido. Antes de apontar as qualidades dessa produção sul-africana, é preciso elencar todos os seus problemas conceituais. Um deles é a mais completa inutilidade de alguns coadjuvantes. A sogra de Grace existe apenas como escada para termos mais da personalidade difícil da madame semelhante a uma caricatura de megera indomada (isso é proposital e positivo). A filha mais nova de Bongi simplesmente não tem qualquer utilidade à progressão da história, sendo limitada a meia dúzia de palavras ditas entre coisas muito mais importantes acontecendo. Os respectivos maridos das inimigas são também, de certa forma, quase descartáveis, o que é uma pena tendo em vista sua amizade que igualmente precisa ser escondida das matriarcas em fúria. A cineasta Jayan Moodley poderia trabalhar melhor essa necessidade de os dois patriarcas esconderem o fato de que falam de futebol, comem e bebem às escondidas na periferia para não provocar a ira de suas esposas irredutíveis. Esses homens são quase pegos em alguns momentos, mas nada que justifique o esforço do roteiro para criar mais um espaço de afinidade em meio a uma contínua guerra chefiada pelas cabeças-duras intransigentes dispostas até a sabotar relacionamentos para evitar de as famílias se misturarem.

Aos poucos, A Família Khumalo promove o amor proibido de Sizwe (Jesse Suntele) e Sphe (Khosi Ngema) ao posto principal. Não há nada de novo ou mesmo de tão empolgante nesse filme sul-africano que apenas requenta velhas fórmulas e arquétipos em prol de um divertimento ligeiro e sem compromissos com a profundidade psicológica e emocional dos personagens. Fica logo evidente que o caminho está sendo pavimentado rumo ao encerramento conciliatório, no qual os problemas ficarão em segundo plano e as duas protagonistas ganharão uma segunda chance de reatar a relação rompida antigamente. Também não há muita dúvida sobre o que acontecerá com os pombinhos atingidos pelas sabotagens das mães – sempre com a utilização de elementos externos para desviar o interesse desse Romeu e dessa Julieta contemporâneos. O que faz a produção da Netflix ter um sabor levemente adocicado é o carisma dos personagens, até mesmo daqueles que são abertamente sabotados pelo roteiro frágil. E o grande destaque do elenco é Khanyi Mbau, a intérprete da dondoca exagerada que parece obcecada pela vizinha que antigamente traiu a sua confiança (saberemos o motivo das rusgas entre elas apenas no fim). Khanyi não tem medo de parecer histriônica demais, até mesmo porque o roteiro pede dela esse exagero que toca conscientemente no ridículo. Então, está de acordo com a proposta narrativa.

É preciso analisar os filmes por aquilo que eles se propõem e também pela capacidade de atingir resultados dentro de determinados parâmetros e perspectivas. Tendo isso em vista, A Família Khumalo é previsível e cheia de problemas, às vezes um tanto capenga, noutras apenas uma derivação genérica de muitas coisas que vimos anteriormente com mais qualidade. Há também muitos desperdícios e uma clara falta de segurança no foco a ser privilegiado. Porém, mesmo assim o ritmo da comédia é bom, as piadas funcionam relativamente bem e somos instigados a nos apegar aos personagens, a odiar Grace pela intransigência e a esperar que Bongi seja um pouco menos turrona do que a amiga de longa data. Quanto ao casal em perigo, Jesse Suntele e Khosi Ngema também dão conta do recado ao compor esse par obrigado a se amar às escondidas e ainda precisa afastar pretendentes que as mães colocam estrategicamente no seu caminho. Não é o tipo de filme que vai chamar a nossa atenção para a cinematografia da África do Sul, até porque há pouco efetivamente regional sobressaindo – uma pena que toda a diferença entre a garota tradicional e o garoto menos apegado aos costumes da região seja pouco desenvolvida. No fim das contas, entre ver um “mais do mesmo” com os rostos de sempre e prestigiar uma produção africana que utiliza expedientes parecidos, parece fazer mais sentido a segunda opção.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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