Sinopse
Um gigolô e uma vigarista planejam um golpe de mestre na Riviera Francesa. Mas, será que para ter uma vida de luxo e ostentação, eles sacrificariam o sustento de uma ex-estrela de cinema e de um corretor de imóveis?
Crítica
O cinema ajudou a criar um imaginário bastante específico sobre a paradisíaca Riviera Francesa. Isso porque não são poucos os filmes ambientados nesse paraíso com vigaristas dando golpes à beira-mar, homens e mulheres ávidos por gozar das fortunas alheias que podem ser torradas com vários prazeres. A Farsa segue esse caminho antes trilhado por obras como Os Safados (1988) e As Trapaceiras (2019). Seus protagonistas são Adrien (Pierre Niney) e Margot (Marine Vacth), dupla envolvida com pessoas mais velhas por interesse financeiro. Adrien é uma espécie de amante de plantão de Martha (Isabelle Adjani), a diva do cinema dada a excessos e rompantes emocionais descabidos. Margot desempenha um papel parecido até encontra-lo e, mais tarde, manda uma lorota ao igualmente endinheirado Simon (François Cluzet). Tudo começa num tribunal, depois que Simon supostamente atentou contra a vida de Martha ao descobrir-se engambelado. No entanto, a verdade não é conhecida, apenas as versões dos depoentes. O cineasta Nicolas Bedos evita transformar essa história num clássico filme de tribunal, pois privilegia a intriga amorosa entre os trambiqueiros vista em restrospectiva. A escolha cobra um preço alto: o filme é bem menos tenso do que poderia, pois a alternância de ângulos serve apenas para sublinhar que há divergências, sem o investimento na fragilidade da verdade.
No fim das contas, o tribunal serve, basicamente, como um cenário no qual mostrar personagens discordando. O longa-metragem nunca leva tão a sério o suspense, quando muito alimentando pequenas disputas de discurso ilustradas por flashbacks potencialmente falsos (não há garantias quanto a isso). Bedos poderia fazer dessa briga violenta entre as versões o principal trunfo narrativo de A Farsa. Contudo, ele prefere não dar maiores atenções às diferenças e se focar no charme da dupla de salafrários amorosamente envolvidos à medida que enrolam os seus alvos. O realizador está mais preocupado em reaproveitar os elementos desse tipo de filme de vigarista situado na Riviera Francesa (assim fazendo uma homenagem) do que atentar à impossibilidade de se chegar a uma verdade. E um dos componentes que confirmam o apreço do realizador pela tradição cinematográfica é o claro decalque de uma personagem icônica do cinema. A atriz megalomaníaca e melancólica vivida por Isabelle Adjani é obviamente inspirada na Norma Desmond (Gloria Swanson), principal nome da obra-prima de Billy Wilder, Crepúsculo dos Deuses (1950), vide as expressões exageradas, o evidente culto à sua personalidade artística ultrapassada e a obsessão pelo rapaz mais jovem que anuncia ser escritor. As semelhanças não são meras coincidências, mas sintomas da abordagem reverente.
Verdade seja dita: se a lógica do tribunal fosse retirada do filme, não haveria maiores prejuízos. Os breves retornos ao julgamento servem ora como respiros, ora como prelúdios das elipses – avanço no tempo que suprime parte da história, mantendo seu entendimento preservado. Nicolas Bedos foca nas estratégias de Adrien para se tornar indispensável à mulher disposta a sustenta-lo. Paralelamente, faz questão de mostrar algum teor de vulnerabilidade da personalidade masculina, para isso enfatizando o afeto por Martha e, sobretudo, a gentileza genuína com a filha da companheira vigarista. A pergunta quem, de fato, atirou em Martha? não tem importância, se transformando num apêndice de luxo em meio ao amor e às aventuras golpistas dos enganadores que supostamente abrem a guarda na companhia do outro. É difícil saber para onde a história está no levando, menos pela habilidade de Bedos na construção de pretensos labirintos cheios de pistas falsas, mais pela quantidade enorme de personagens e motivações que servem basicamente para inchar o bolo sem adicionar sabores nele. Mesmo assim, a trama é envolvente o suficiente para capturar a atenção (não necessariamente a curiosidade). A Farsa falha como suspense, mas dá conta do recado como drama aventuresco, sem o espaço devido para mistérios, rasteiras e outras reviravoltas que se acumulam no clímax.
A Farsa propõe uma teia complexa, mas não duvidosa. Para evitar prejuízos à experiência do leitor que ainda não assistiu ao filme, nos absteremos da análise detalhada sobre o encerramento que pretende provocar uma surpresa. Mas, pode-se dizer que a sua mensagem antissexista não é forte o suficiente para oferecer aspectos de renovação a esse filão dos vigaristas agindo elegantemente na Riviera Francesa. Quando percebemos que Bedos está tentando forjar secretamente uma união feminina como remédio para os males desse mundo recheado de homens que limpam as contas bancárias de ricaças vulneráveis, o filme já está nos seus minutos finais, o que não dá tempo para a mensagem se consolidar ou imapctar. O cineasta tem como trunfo o elenco repleto de astros e estrelas, cujo trabalho chega a engrandecer certos momentos sem muitos atrativos, além da presença de nomes maiúsculos como Isabelle Adjani, François Cluzet e Emmanuelle Devos, para citar os mais tarimbados. Pierre Niney exibe a qualidade de sempre como o homem bronzeado pelo sol da Riviera Francesa que acredita piamente na sua superioridade sobre as demais peças de um jogo morno que oscila levemente entre o amoroso e o marginal. E Marine Vacth ilumina a telona com a sua personagem ambígua e perigosa. Sendo assim, alguns problemas do roteiro assinado por Nicolas Bedos são compensados por ótimas atuações.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 5 |
Bruno Carmelo | 8 |
MÉDIA | 6.3 |
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