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Sinopse

Após um acidente na fábrica de fogos de artifício que tinha com o marido, Er Hao é agora uma viúva em estado semicomatoso. Ela está morando na casa dos seus sogros, e é estuprada pelo cunhado. Esse acontecimento faz com que descubra poderes sobrenaturais e passe a servir de oráculo.

Crítica

Premiado como melhor filme no Festival de Roterdã, evento que já reconheceu títulos alternativos como o chileno Rey (2017), de Niles Atallah, o cubano A Obra do Século (2015), de Carlos M. Quintela, e o sueco Something Must Break (2014), de Ester Martin Bergsmark, A Feiticeira Viúva é o trabalho de estreia do chinês Chengjie Cai, que além de dirigir, também assina o roteiro do longa. E se este trabalho muitas vezes resulta em uma composição hermética, e até mesmo confusa, isso não é por acaso: ao brincar com os limites da vida e da morte, da fantasia e da destruição, ele busca incorporar em sua narrativa o melhor de cada um destes mundos, acrescido por uma fotografia arrebatadora, indiscutivelmente linda, que vai do preto-e-branco predominante ao uso pontual de cores com extrema sensibilidade, iluminando não apenas eventos, mas também sentimentos e sensações. Assim, atinge um resultado de rara beleza, ainda que de difícil acesso.

Uma mulher, moradora em uma pequena vila no interior do país, sofre uma série de tragédias em sequência. Perde a casa e o marido em um incêndio, e ao ser abrigada por parentes, acaba sendo estuprada por um deles. Deixada para morrer, ela literalmente ‘renasce’, com mais força do que antes e dotada de poderes singulares, por mais que os recuse num primeiro momento. Essa rejeição, no entanto, é passageira, pois logo percebe que, como diz o ditado, ‘se não pode vencê-los, melhor juntar-se a eles’. E é o que faz. Acompanhada apenas pelo cunhado de dez anos, os dois, em uma van que tanto serve de transporte como de habitação, passam a percorrer ruas e estradas, cidades e vilarejos, promovendo peças que, eventualmente, se revelam tão certeiras quanto um passe de mágica.

E é assim que este conto de culpa e salvação revela seus maiores méritos. Er Hao (Tian Tian), a protagonista, é uma pessoa comum, que apenas quer levar sua vida normalmente e se livrar da má sorte que tem lhe acompanhado. No entanto, o mundo ao seu redor parece se recusar a aceitar tanta simplicidade. É por isso que acaba tendo que aceitar a farsa que lhe impõem. Seu comprometimento com essa nova verdade, assim como aqueles a quem ela acaba prestando seus serviços, é tamanho que tais feitos terminam por se concretizar. Mas em que plano eles se dão, de fato? No real, triste e monocromático, ou naquele dos sonhos, ou mesmo das possibilidades que irão, ou não, um dia se tornar parte do cotidiano? A mulher que não deseja ter mais filhas e sonha com um menino, o casal que sofre com a violência um com o outro, o homem que quer se livrar de um torcicolo, o velho em busca da saúde que pensa ter lhe abandonado, o ex-namorado que busca a riqueza fácil. O que lhes falta, afinal, é um milagre, ou simplesmente alguém em quem possam acreditar?

No entanto, nem tudo são flores, e todo bem sempre tem data para acabar. Em A Feiticeira Viúva, isso não será diferente. Um acerto, ainda que improvisado, quando surgido sem o devido preparo, não irá provocar um mal pior do que aquele enfrentado até então? E quando não há mais a quem recorrer, como decidir por qual mundo seguir? Questões como essas, dentre tantas outras, povoam o desenrolar da história. Algumas, talvez ainda mais pertinentes, pois abrem espaço para a crítica social e gritam por uma verdade mais próxima, mesmo sendo abordadas, são tratadas de forma quase leviana, pois não se aprofundam na medida que o debate exige. Um bom exemplo é a questão do tráfico de crianças, que rende um dos momentos mais catárticos do longa, e mesmo assim logo é suplantado por um conflito mais imediato. Há muito a ser discutido. Porém, o espaço – e o tempo – é escasso diante tantas demandas.

Dessa forma, o filme de Chengjie Cai vai se desenvolvendo, ainda que aos trancos e barrancos, alternando passagens de singela beleza, com outros um tanto problemáticos e tortuosos. A Feiticeira Viúva pode ser apenas um título que lhe dão, uma máscara que usa em busca de um maior conforto, mas o que fazer se, de fato, se verificar ser mais do que isso? Afinal, para cada dom concedido, há um preço a ser pago. E quem irá se encarregar dessa cobrança? Entre misticismo e realidade, contornando deslizes e compensando com acertos, somos convidados a uma jornada nada fácil, mas que saberá recompensar à altura dos esforços exigidos. Não que o equilíbrio entre os dois lados da tela seja atingido, mas, mesmo assim, há de se reconhecer que apenas a busca por algo diferenciado já afasta qualquer discurso da mediocridade. E este é o verdadeiro ganho a ser apreciado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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