Crítica
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Sinopse
Crítica
Logo no começo de A Fera, ainda antes dos créditos, em uma espécie de prólogo, um grupo de caçadores se aproxima, à noite, no meio da savana africana, de uma armadilha preparada para capturar leões. Vários dos animais se encaminham para comer uma zebra, colocada à disposição para atraí-los, sem imaginar o fim que se aproxima. Tiros são disparados, sangue é derramado e diversos corpos caem, ainda pulsantes, no chão. Os homens logo percebem, no entanto, que um dos machos conseguiu escapar. Porém, não fugiu. E, à espreita, parte para a vingança. Sim, essa é a ideia perseguida pelo longa dirigido pelo islandês Baltasar Kormákur, uma tese que chega, literalmente, a ser pronunciada por um integrantes do elenco: “é chegada a hora da natureza dar o troco”. Como se estivessem tratando de um ser dotado de raciocínio lógico, capaz de elaborar artimanhas e planejar estratégias, e não de um bicho acostumado a agir por instinto, mais na base da lei do retorno. A partir desse ponto, por mais que tente provocar uma ‘reparação histórica’, tal proposta não se sustenta pelo simples fato dos ataques vistos a seguir se darem contra uma família de inocentes, dentre esses duas adolescentes. Qual seria o “toma lá, dá cá”, portanto?
Kormákur começou a chamar atenção em sua terra natal, em produções que ambicionavam algum tipo de reflexão, como Sobrevivente (2012). Foi somente a partir do policial Dose Dupla (2013), com Denzel Washington e Mark Wahlberg, no entanto, que seu nome passou a ser referência do cinema de ação e entretenimento, como atestam os posteriores Evereste (2015) e Vidas à Deriva (2018). Aliás, A Fera é quase como a conclusão de uma trilogia iniciada por estes dois anteriores. Afinal, os três longas se resumem ao fato de terem figuras ordinárias em situações extraordinárias, ou seja, fora do contexto com o qual estão habituados, e até que limite estarão dispostos a ir na luta pela sobrevivência. O primeiro, no ponto mais alto do planeta, a problema era o ar, que de tão rarefeito impossibilitava até mesmo os atos mais banais. O segundo, com um casal de jovens em um pequeno barco sem rumo no meio do oceano, o perigo vinha da água e das incertezas que esse ambiente proporciona. Pois então, eis que agora a ameaça vem pela terra. As condições até podem ser diferentes, mas os resultados, tanto neste quanto nos demais, são bastantes similares.
É visível o esforço para dotar o protagonista de um heroísmo do qual, em qualquer que fosse a situação, se vista com absoluta naturalidade, não se faria necessário. Ao pensar no leão como um vilão, ou seja, o mal a ser combatido, automaticamente o pai vivido por Idris Elba, ainda mais por estar acompanhado pelas filhas, passa a ser visto como a última possibilidade de socorro e salvamento para eles que, de uma hora para outra, tem um inocente passeio turístico transformado numa tortuosa jornada de terror. Bom, uma vez que os humanos é que estão num território que não os pertence e com o qual não estão acostumados, quem são os invasores? Não precisaria muito, como se percebe, para justificar a selvageria. Mas Kormákur e seu roteirista, Ryan Engle (o mesmo do inacreditável Rampage: Destruição Total, 2018) forçam todas as probabilidades em um fiapo de história na qual, no decorrer de uma noite, os absurdos passarão a se acumular numa medida tamanha que, apesar da simplicidade da premissa, resultará em algo tão complicado que nem com a maior das boas vontades será possível comprar.
É nos detalhes onde mora o diabo, e assim também se dá na observação e análise crítica. Durante a apresentação da família Samuels, pai e filhas aterrissam no coração da África prontos para reencontrarem um velho amigo (Sharlto Copley, com pouco a fazer) e se reconectarem com as próprias origens – pois, como os diálogos explicativos se encarregam de elucidar, estão ainda em processo de recuperação após a morte da mãe (e ex-esposa). Pois bem, assim que saem do avião, as exclamações de “calor insuportável” se repetirão, ainda que os três estejam muito bem agasalhados, com camisas, casacos, calças e moletons, e os rostos e roupas não apontem para nenhum sinal de suor. É um discurso, enfim, que não se sustenta pelo que é visto em cena. Pode parecer algo pequeno, mas essa mesma impressão irá se repetir ao longo dos acontecimentos. Como contar com uma impressionante suspensão de descrença por parte da audiência, pois só dessa forma seria possível acreditar em um leão não apenas cego, mas também desprovido de olfato, incapaz de farejar uma presa fácil escondida num galho de árvore ou por detrás de um arbusto na beira d’água. Mesmo assim, nada pior do que o desfecho entre homem e animal, numa luta mano a mano, por mais que houvesse uma intenção para tal conjuntura.
O diretor é eficiente, isso não se pode negar, em criar situações tensas, e muitos dos embates são tão bem fotografados que somente o mais alheio da plateia não irá reagir conforme a proximidade do medo. O uso contínuo de longos planos-sequência, da mesma forma, possibilitam uma sensação de visibilidade limitada, como se o espectador estivesse envolto pelo mesmo imbróglio dos personagens, o que aumenta a sensação de desconforto e pavor pelo desconhecido, visto que esse pode se concretizar a partir de qualquer lado. São elementos bem empregados que funcionam exatamente como o esperado. É de se lamentar, portanto, que não estejam a serviço de uma trama sólida – ou minimamente consistente. Inclusive, o título original, Beast, de fato, aponta para a tradução em português, mas pode ser entendido ainda como “besta, bruto, estúpido” – tudo, portanto, que o leão não é. A Fera, assim, se mostra reducionista e apressado, servindo pela busca de reações imediatas, mas falhando miseravelmente em qualquer tentativa de permanecer um segundo além do acender das luzes.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 4 |
Francisco Carbone | 7 |
Victor Hugo Furtado | 7 |
Ticiano Osorio | 5 |
Ailton Monteiro | 6 |
MÉDIA | 5.8 |
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