Crítica
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Sinopse
Crítica
Bestas-feras aterrorizam um reino. Praticamente toda a organização social da comunidade se dá em torno do combate a esses monstros “terríveis” que ameaçam os humanos. Mas, em determinado momento da história marcada pelo antagonismo, alguém acaba se dando conta de que talvez os “vilões” não sejam as criaturas, percebendo que elas provavelmente apenas se defendem dos ataques...humanos. Essa poderia ser a premissa de Como Treinar o Seu Dragão (2010), no qual o jovem protagonista quebra a tradição de perseguição aos dragões quando desenvolve a sua amizade com um dos mais temidos cuspidores de fogo. Mas, é a de A Fera do Mar, produção na qual os dois protagonistas descobrem que a tradicional matança de animais marinhos de grande porte não é motivada por uma necessidade, mas por ignorância. Ainda com relação às afinidades que o filme produzido pela Netflix tem com o primeiro longa-metragem da saga Como Treinar o Seu Dragão, a impressionante semelhança entre o dragão Banguela e a criatura chamada simplesmente de Vermelha. E, também, há o fato de que é preciso romper com a figura paterna (aqui simbolizada pelo legado) para crescer, ganhar autonomia e quiçá dar alguns passos a fim de mudar o mundo. O cineasta Chris Williams (que divide os créditos do roteiro com Nell Benjamin) troca os vikings pelos não menos corajosos caçadores-marujos.
O cuidado com a diversidade da representação humana é visível em A Fera do Mar – como também era em Como Treinar o Seu Dragão, vide os parceiros com deficiências físicas. Aqui isso se reflete na pluralidade das tripulações e nas dos demais núcleos. Não temos apenas homens caucasianos em cena, mas também mulheres negras, além de figuras andróginas, etc. E algumas em posições de destaque nos seus universos. Em nenhum momento essa heterogeneidade se torna motivo de discussão ou gatilho para qualquer conflito, ou seja, ela simplesmente existe porque o mundo (mesmo os imaginados) é realmente diverso. A naturalização pode ser encarada por muitos como insuficiente, mas é algo importante, sobretudo tendo em vista que estamos falando de uma produção voltada ao público infantil. O fato de Maisie (voz de Zaris-Angel Hator) ser uma menina negra passa longe de provocar discussões raciais escancaradas. Isso porque a animação toma outros caminhos (que não o do enfrentamento) para privilegiar a diversidade racial no tecido narrativo, optando por não fazer dela a causa de embates e obstáculos. E isso é uma estratégia interessante, até mesmo para que os temas não se repitam ou para que suas variações não acabem disputando espaço. Sim, pois estamos diante de uma história que fala em camadas da necessidade de parar com o temor imediato daquilo ou de quem é diferente.
Todos os monstros são tachados de perigosos por sua capacidade de destruição, mas ninguém de fato os compreendeu, o que sinaliza uma ignorância generalizada e, por conseguinte, uma decorrente onda de intolerância. A Fera do Mar sempre pontua que a pequena Maisie é alimentada pelas histórias de caçadores de monstros com as quais teve contato nos livros de História. Motivada pelos feitos de homens e mulheres que arriscaram a vida nos sete mares para afastar perigos enormes, ela distribui carisma e coragem, primeiro, para se infiltrar num dos navios mais famosos do reino e, segundo, para romper com um círculo vicioso e se transformar na voz da razão. É muito potente a cena em que essa criança destemida, órfã depois que os pais morreram cumprindo esse “dever” de assassinar feras marítimas, escancara o mecanismo dos poderosos quanto à utilização do medo para garantir controle social. E faz toda a diferença que seja exatamente uma menina negra a ocupar esse lugar de abrir os olhos do povo sobre a verdade relativa a um Estado manipulador que assume características de vilão. É interessante que numa produção voltada ao público infantil exista uma alegoria assim, certeira e orgânica, sobre seculares violências sofridas por quem desconhece as engrenagens de concentração de poder e perpetuação dele nas mãos de meia dúzia. O passado foi determinado conforme as conveniências dos poderosos e opressores monarcas. Já o futuro e a mudança estão nas mãos da criança órfã.
Além dessa boa relação entre o texto (o que é dito) e o subtexto (o que é subentendido a partir das metáforas e de outras figuras de linguagem), A Fera do Mar é um bem-sucedido filme de aventura que investe de modo agudo na ação. Algumas cenas de embates entre monstros e humanos são eletrizantes, com a decupagem (divisão das cenas em planos) privilegiando a tensão da movimentação. Por fim, dentro da lógica geracional que o roteiro abraça como algo fundamental, Jacob (voz de Karl Urban) é a peça intermediária, a que funciona como a voz sensata à figura paterna com quem precisará romper se quiser ajudar a construir um mundo melhor. O futuro comandante exibe suas ressalvas para Maisie, reluta diante da realidade, mas tende a se transformar num aliado preciso dessa reviravolta na convivência com os monstros. Já o Capitão Corvo (voz de Jared Harris) é o homem profundamente comprometido com a obsessão por caçar o monstro marinho que o cegou em certo momento da vida. Evidentemente um pai substituto para Jacob, ele é um decalque do Capitão Ahab, o obcecado pela captura da baleia no livro Moby Dick, de Herman Melville – e há outras citações menores a esse clássico da literatura. Voltando a Jacob e à demanda pelo rompimento do cordão umbilical que o prende ao Capitão e ao mundo no qual cresceu (note que em várias circunstâncias alguém aparece literalmente cortando cordas), o rapaz precisa deixar de ser tão filho e se tornar um pouco pai a fim de crescer.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Marcelo Müller | 7 |
Leonardo Ribeiro | 7 |
Alysson Oliveira | 6 |
Isabel Wittmann | 7 |
MÉDIA | 6.8 |
Outra obra que me veio a mente foi a animação Planeta do Tesouro. Embasado em trabalhos bem sucedidos como citou, Marcelo, é bom assistir mais de um universo que já gostamos, com personalidade propria