Crítica
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Sinopse
O rei Luís XIV está em busca da imortalidade. Para tentar alcança-la, ele rouba a força vital de uma sereia, mas as coisas acabam ficando muito complicadas quando sua filha bastarda cria laços com a criatura mágica.
Crítica
Quando um realizador possui quase uma centena de créditos – isso mesmo, 100 longas, curtas ou episódios de séries de televisão – em seu nome e, ainda assim, permanece um notório desconhecido do grande público, isso depõe mais contra ele do que a respeito de sua suposta audiência. Pois esse é o caso de Sean McNamara, que além de ator, roteirista e produtor, é também responsável pela direção desse A Filha do Rei, um projeto filmado em 2014 e que seguiu engavetado por quase uma década, ganhando lançamento apenas no início de 2022. Como um título como esse, filmado em locação no prestigioso Palácio de Versalhes e dono de um elenco que conta com um vencedor do Oscar, um ex-James Bond, a estrela de uma trilogia adolescente e outros nomes de igual impacto, pode ter sido deixado de lado por tanto tempo? Bastam poucos minutos de projeção para que a resposta venha sem demora: trata-se, como se vê, de um legítimo monstro de Frankenstein, uma colcha de retalhos onde nada parece fazer muito sentido. A sensação de desperdício é inevitável.
Os créditos de abertura se encarregam de explicar o absurdo: Luís XIV (Pierce Brosnan) entrou para a história como o Rei Sol, pelos belos monumentos e edificações que levantou e pela ostentação e glória de seus atos. Seu objetivo, pelo jeito somente agora revelado, era alçar não apenas seu nome à imortalidade, mas ele mesmo não desejava morrer tão cedo. Por isso, tratou de colocar em andamento seu mais ambicioso sonho: encontrar Atlântida (sim, o reino perdido no fundo do mar), pois lá, acreditava, estaria o segredo da vida eterna (o que o levou a ligar uma coisa com a outra permanece oculto). Quando uma de suas embarcações se depara com uma sereia (sim, uma mulher aquática com rabo de peixe) no meio de uma tempestade, trata logo de capturá-la para levá-la com vida até o soberano. Esse possui dois conselheiros: um padre (a religião) e um médico (a ciência). Não é que o primeiro deseja preservar a ordem natural das coisas, enquanto que o segundo afirma que apenas matando o ser místico seria possível adquirir os poderes mágicos da criatura? Uma narrativa guiada pelo negacionismo, investindo no irrelevância dos métodos científicos em nome de uma suposta “paz superior”.
Os mais atentos, ao se depararem com a sinopse acima, devem ter se perguntado: “ok, mas e a filha do Rei?”. Afinal, este é o título do filme, certo? Bom, a garota é irrelevante para o tema central, e é inserida apenas como mais um elemento aleatório de uma cartilha medíocre, que visa oferecer “um aperitivo para todos os gostos”, ao invés de apostar num “banquete para os paladares mais refinados”. Marie-Josephe (Kaya Scodelario, dona de uma postura contemporânea que soa anacrônica ao período enfocado) foi criada em um convento, e é chamada pelo pai como peça de marketing, para posar ao lado dele durante um evento em homenagem a um eclipse que se aproxima. Quando encontra o capitão Yves De La Croix (Benjamin Walker, marido de Scodelario na vida real), responsável pelo sequestro da sereia, a função de ambos fica explícita: dotar o enredo de um viés romântico, por mais que esse tenha pouca importância dentro de um contexto mais amplo.
Dadas as devidas apresentações, o que se encontra é uma mistura de Maria Antonieta (2006) com Splash: Uma Sereia em Minha Vida (1984), por mais improvável que seja tal combinação. A peruca de Brosnan beira o ridículo, Walker, como em quase tudo em que aparece, é inexpressivo, Bingbing Fan (a sereia), uma atriz talentosa de longa carreira no oriente e que, em Hollywood, já marcou presença em sucessos como Homem de Ferro 3 (2013) e X-Men: Dias de um Futuro Esquecido (2014), dessa vez não chega a ter uma única linha de diálogo (!), a indicada ao Oscar Rachel Griffiths sai de cena sem dizer a que veio na meia-hora inicial, e Pablo Schreiber adiciona mais um vilão unidimensional ao currículo. Aliás, essa é uma das principais características da produção: todos os tipos não são mais do que isso, meras figuras sem profundidade e com motivações básicas. Um deseja mais poder, ela quer romance, o outro busca reconhecimento, e assim por diante. Nenhum chega perto de construir algo com profundidade, muito em parte pela ausência de orientações no texto e pela condução fraca do realizador.
Diante deste desastre anunciado, William Hurt, como Pere La Chaise, é o único que consegue sair quase ileso do meio de tanto non sense. É visível que, para isso, atua quase como se estivesse em uma história à parte, seguindo seu próprio instinto, ao invés de trilhar desorientado como os demais colegas. Tanto tem autoridade como sabe o que sua presença pode ou não provocar naqueles ao redor. Ainda assim, se vê obrigado a proferir chavões como “você sempre foi um bom rei, agora aprendeu a ser um bom homem” e outros similares. Sem conseguir se apresentar como uma aventura decente, descartando o potencial fantástico dos elementos que se esforça em combinar e menos ainda como uma romance à moda antiga, A Filha do Rei não respeita nem mesmo os estereótipos que se encarrega em martelar na maior parte do tempo, invertendo-os sem consistência ou propósito em um desfecho improvisado e que pouco relação parece ter com o todo desenrolado até aquele instante. Que Sean McNamara tivesse seguido atento à insignificância que marcou sua trajetória até aqui, teria feito melhor: ao menos o vexame seria dotado de discrição e sem o alarde que aqui se percebe.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 3 |
Alysson Oliveira | 2 |
MÉDIA | 2.5 |
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