Crítica
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Sinopse
Vivendo uma rotina aparentemente comum ao lado do marido e da filha, Helena esconde um segredo: é a filha de um sujeito que manteve sua mãe em cativeiro por cerca de 12 anos. E esse pai criminoso acaba de ser solto da cadeia.
Crítica
Há algo de tragédia grega em A Filha do Rei do Pântano, ao menos uma semelhança vaga com o mito de Édipo que, depois de consultar o oráculo de Delfos, descobriu que estava amaldiçoado com o destino de assassinar o próprio pai. No entanto, no longa-metragem dirigido por Neil Burguer a ideia do parricídio tem um fundo mais psicanalítico, afinal de contas, nele a morte do pai representa uma chave para enterrar o passado pesado que paira como sombra sobre Helena (Daisy Ridley). Na infância (quando é interpretada por Brooklynn Prince), ela aprendeu tudo da vida com esse pai superprotetor, o enigmático Jacob (Ben Mendelsohn). Ao largo da presença apagada da mãe, que parece estar em estado constante de sofrimento, a menina seguia o homem para todo lado, submetendo-se como aprendiz admirada aos ensinamentos sobre coragem e outros atributos essenciais à sobrevivência. Trata-se de uma intensa relação pai/filha, quase uma simbiose ambientada ora na floresta fechada, ora no terreno pantanoso da vizinhança. Helena é feliz porque ignora que seu pai sequestrou sua mãe. Helena vive admirando esse sujeito porque não tem consciência de que a mãe fora estuprada e mantida em cárcere privado. Helena admira a figura paterna porque desconhece ser consequência de atos violentos. Já a Helena adulta optou por se reimaginar para viver, escolhendo esquecer para se reinventar.
Neil Burguer ensaia conferir ao cenário uma importância dramática vital. Isso é visível nos passeios aéreos pelos terrenos alagadiços, na característica claustrofóbica da floresta em que pai e filha se sentem em casa e, principalmente, na belíssima transição que mostra por meio do terreno a mudança de vida que sobreveio à prisão do sequestrador – e a consequente alteração na rotina de Helena. O realizador chega próximo de fazer do ambiente uma projeção externa da geografia interna dos personagens, sobretudo ao correlacionar o pântano e a personalidade sombria de Jacob. Porém, ele não insiste nessa associação, fazendo dela um expediente, embora efetivo, às vezes vago e esporádico demais. Quando encontramos a Helena adulta, mãe de uma menina e casada com um sujeito que parece amá-la sem restrições, ela é uma mulher física e emocionalmente marcada por essa herança que nunca contou sequer aos membros de sua nova família. No entanto, a escapada de Jacob das mãos da lei provoca a revelação de seu passado e uma espécie de renascimento da Helena ensinada a ir às últimas consequências para sobreviver e proteger os seus. Fica muito claro que a possibilidade de exterminar o pai tem a ver com uma noção de morte daquilo dele que permanece vivo nela. Simbolicamente falando, é preciso obliterar o mestre para os ensinamentos não crescerem ao ponto de sufocarem a nova Helena.
Essa dimensão quase mitológica está ali, geralmente à espreita num filme que, infelizmente, parece sempre disposto a tomar os caminhos mais fáceis e com isso evitar a imprecisão – que poderia muito bem ser uma valiosa aliada dramática. Tudo em A Filha do Rei do Pântano é muito pronunciado e explicado, assim sobrando poucas lacunas para o espectador completar com suas compreensões daquela situação e dos personagens nelas envolvidos. O roteiro de Elle Smith e Mark L. Smith, com base no livro homônimo de Karen Dionne, frequentemente lança mão de diálogos um pouquinho expositivos demais em vez de confiar na capacidade da plateia de compreender as circunstâncias sem ter o seu julgamento excessivamente guiado. Voltando à dimensão mitológica alimentada de modo bastante tímido, ela também está presente no breve duelo entre o pai perverso e o padrasto de origem indígena, na importância das heranças (implícitas abundantemente numa trama recheada de pais/mães e filhas), na necessidade de Helena de sacrificar um ente querido em prol da morte de uma parcela sua que tende à obscuridade. Uma pena que Neil Burguer não consiga trabalhar essas camadas alegóricas e fique mais inclinado a construir, no fim das contas, uma competente história de vingança, mas que evidentemente poderia aspirar voos maiores se estivesse de acordo com suas ambições visíveis.
A Filha do Rei do Pântano é um bom filme, ainda que seja decepcionante. E essa sensação vem justamente da sucessão de boas ideias parcial ou completamente ignoradas ao longo de um enredo que tem doses contidas de tensão. Uma escolha estética que não faz muito sentido é a imagem borrada e/ou com pouco foco nos flashbacks. Isso era apropriado num momento embrionário da relação do público com o cinema, no qual era necessário fazer alguma diferenciação visual entre as diferentes cronologias da história para evitar que o espectador se perdesse. Tal expediente soa agora como um enorme anacronismo, visto que as plateias têm totais condições de compreender as alternâncias de tempo mais sutilmente representadas. O resultado, então, é uma tentativa malsucedida de criar uma aura de estranhamento que somente adiciona um ruído desnecessário no desenrolar do filme. Pensando nas tarefas do elenco, Daisy Ridley é quem tem a missão mais difícil, pois sua personagem precisa surfar numa série de sentimentos conflitantes, e a atriz britânica acaba se saindo muito bem nisso. Já Ben Mendelsohn utiliza com propriedade sua voz firme e trovejante para dar contornos perigosos a esse homem que ensina a filha pequena a ser implacável. Por fim, Garrett Hedlund, intérprete do marido de Helena, é uma figura meramente ilustrativa nesse filme com um enorme potencial, parcialmente aproveitado, para engrandecer o melodrama familiar com algo mítico e intangível.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 6 |
Alysson Oliveira | 4 |
Francisco Carbone | 5 |
Suzana Uchôa Itiberê | 6 |
MÉDIA | 5.3 |
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