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Crítica
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Sinopse
Em A Forja: O Poder da Transformação, um ano depois de encerrar o ensino médio, o jovem Isaías Wright não tem planos para o futuro e é desafiado por sua mãe solo e um empresário de sucesso a começar a traçar um rumo melhor para sua vida. Ele passa a ser discipulado pelo seu novo mentor, conta com orações de sua mãe e de uma guerreira de orações, Dona Clara, e começa a descobrir um propósito. Drama
Crítica
Não há nada que torne imediatamente repreensíveis os filmes de propaganda. Em última instância, todas as tramas carregam posições ideológicas, discursos orientados por perspectivas e valores específicos. Há produções escancaradamente propagandísticas, outras menos. E A Forja: O Poder da Transformação é uma das obras que abertamente propagandeiam ideias, neste caso a força do cristianismo. A reboque de uma defesa da fé cristã como caminho inequívoco à felicidade, há outras coisas bem mais questionáveis do que a confiança cega nessa doutrina religiosa. O protagonista é Isaiah (Aspen Kennedy), típico garoto recém-saído da adolescência que prefere passar os dias jogando videogame/basquete com amigos do que pensando na (e agindo pela) necessidade urgente de amadurecer. Sob os protestos e ultimatos da mãe vivida por Priscilla C. Shirer, ele começa a perambular sem vontade em busca de um emprego e acaba se deparando com um homem que transforma a sua vida. Joshua (Cameron Arnett) é dono da fábrica de equipamentos para academias de ginástica que decide dar uma chance a esse garoto perdido na vida, assumindo o posto de mentor religioso e modelo masculino. Desse modo, o que veremos em cerca de 120 minutos é uma jornada de doutrinação, não tanto de aprendizado. Há diferenças enormes entre crescer autonomamente e ser convencido de maneira paternalista.
A Forja: O Poder da Transformação defende repetidamente que “encontrar Jesus” é o único caminho para chegar a um estado de contentamento. Até para alguém sem fé religiosa, trata-se de uma mensagem bonita a da solidariedade entre pessoas se manifestando por meio de algo que as interligue ao ponto de criar um senso de comunidade. Isaiah é gradativamente envolvido pela sensação de proteção provida por pequeno grupo de homens acolhedores que lhe transferem lições fundamentais para ele deixar a imaturidade de lado e finalmente crescer. No entanto, o cineasta Alex Kendrick (também roteirista ao lado de seu irmão Stephen) não diluem as mensagens e ensinamentos ao longo da história, fazendo questão de colocar enunciados na boca dos personagens de cinco em cinco minutos, como se eles fossem apóstolos trabalhando. Então, a primeira coisa que devemos identificar diante do filme é: ele foi feito pensando em quem aceita de antemão o cristianismo como salvação, o famoso “pregar para convertidos”, pois sua linguagem é pouco persuasiva aos não adeptos da doutrina. Desse modo, podemos pensar o longa-metragem como uma peça publicitária cuja prioridade é aumentar a autoestima dos cristãos por meio de uma história inspiracional. A jornada do protagonista, que deixa de ser perdido e se transforma de maneira crescente no homem respeitável, é o veículo da publicidade.
Como dito antes neste texto, nada contra filmes abertamente de propaganda. Não é preciso investigar tão profundamente a história do cinema para encontrar produções com esse princípio e que atualmente são consideradas obras-primas, tais como O Encouraçado Potemkin (1925) – peça da propaganda soviética pós-queda do czarismo na região – e O Triunfo da Vontade (1935) – primor estético infelizmente a serviço da máquina de publicidade do nazismo. E, também retomando algo já dito por aqui, o grande problema de A Forja: O Poder da Transformação não é o elogio escancarado à religião como caminho à felicidade e tampouco as inúmeras facilidades narrativas que enchem o resultado de coincidências e providencialismos. Os pontos fracos dessa produção estão justamente naquilo que ele não assume abertamente como seu objeto de culto: a renovação do patriarcado e a instauração do discurso de obediência a um sistema capitalista. A tal forja é a junção de homens felizes (apenas homens) que tiveram suas vidas alteradas positivamente pela palavra das divindades cristãs. Às mulheres cabe apenas orar e esperar que surja algo bom, ou seja, elas não têm atuação direta em tudo de benéfico que acontece ao protagonista – quando muito a mãe assume de modo estereotipado o papel da “chata que cobra” Isaiah. Note como as mulheres do filme são apoios, estando um passo atrás dos homens.
A Forja: O Poder da Transformação está cheio de símbolos e discursos exaltando a supremacia masculina: a espada (o falo) representativa dos avanços de Isaiah; o pai zeloso que toma à frente quando a filha é cantada pela versão pregressa do protagonista; a subalternidade feminina repetida em cenários e situações diferentes; o pai substituto fundamental, etc. Já sobre a obediência ao sistema capitalista/meritocrático, o filme nem esconde a defesa da ideia de que, a fim de ser bem-sucedido profissionalmente, basta assumir responsabilidades e fazer por onde. Em certo ponto, é preciso que toda a equipe se mobilize depois do turno exaustivo na sexta-feira e trabalhe durante todo o fim de semana para evitar que uma grande conta seja perdida. E esse elogio ao esforço dos homens (líderes) e mulheres (subalternas) assalariados é justificado pela bondade do patrão, especificamente pelo fato de ele fomentar uma atividade filantrópica que deverá ser desativada caso o pedido impossível nãos seja preparado em tempo hábil. Portanto, repetindo: o problema não é a fé, a disposição em acreditar na entidade benevolente que escreve certo por linhas tortas. Longe disso. O buraco é mais embaixo. A questão a ser debatida é como esse discurso carrega consigo valores como o reforço da supremacia patriarcal e, por consequência, a submissão feminina, além da associação da felicidade a padrões meritocráticos.
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