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Sinopse

No Japão do século XVI um homem escolta uma princesa fugitiva por um território hostil. Cruzam o caminho deles dois fazendeiros amedrontados, que estão tentando voltar para casa após fugir da Guerra Feudal.

Crítica

Não se trata de mera figura de linguagem George Lucas já ter afirmado, em mais de uma ocasião, que uma das maiores inspirações para Star Wars tenha sido A Fortaleza Escondida, aquele que poderia ser considerado um dos longas ‘menores’ do mestre Akira Kurosawa. Afinal, a história de uma princesa que é deposta por um movimento rebelde e precisa ser transportada com segurança entre territórios inimigos não deixa de apresentar evidentes semelhanças com a saga intergaláctica liderada pela família Skywalker. No entanto, o mais curioso é Lucas declarar que não teria sido essa a sua principal referência: o impacto maior estaria não nesse argumento geral, mas, sim, na forma como ele foi contado: ou seja, através dos olhos de dois personagens secundários. Se no espaço esse protagonismo por vezes era assumido pelos robôs R2-D2 e C-3PO, no Japão feudal ele é ocupado pelos bandidos Tahei (Minoru Chiaki, de Rashomon, 1950) e Matashichi (Kamatari Fujiwara, de Os Sete Samurais, 1954). A escolha é um dos grandes acertos dessa obra, capaz de elevá-la além da condição de mera aventura passageira.

Se é assim, então, por que considerar A Fortaleza Escondida como um dos trabalhos de menor impacto de Kurosawa? Essa questão diz respeito menos ao filme em si e mais em relação a excelência da filmografia do cineasta japonês, que além dos aqui citados guarda ainda outros títulos de igual ou maior impacto, como Dersu Uzala (1975), vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Kagemusha: A Sombra do Samurai (1980), premiado com a Palma de Ouro no Festival de Cannes, e Ran (1985), indicado a 4 Oscars e premiado como Melhor Figurino. E isso que o longa lançado em 1958 – logo após Trono Manchado de Sangue (1957) e antes de Yojimbo: O Guarda-Costas (1960), prova do quão frutífera era a fase pela qual o realizador passava – também está longe de ser desprovido de reconhecimentos internacionais de peso: só no Festival de Berlim saiu com o Urso de Prata de Melhor Direção e o prêmio de melhor filme pelo júri da crítica.

Porém, é bom observar as coisas com a devida perspectiva: estamos falando de um filme lançado há mais de 6 décadas. Isso não é pouca coisa, e não pode – nem deve – ser menosprezada. Tahei e Matashichi são dois patetas, malandros que querem sempre se dar bem, mas acabam levando a pior justamente pela incompetência absoluta que os domina, seja pelos acordos que estabelecem entre si – e a todo instante vão sendo alterados, conforme o vento sopra – e em relação aos golpes que tentam aplicar. São bandidos inocentes, aqueles tolos dos quais, ao invés de se provocar sentimentos de raiva ou angústia, tudo que despertam no espectador é pena e empatia. E quando menos se espera, não serão apenas dois ou três que estarão torcendo para que, ao menos uma vez, consigam acertar uma. O problema é que, dentre tantas oportunidades desperdiçadas, como imaginar o momento certo de parar?

Em meio a uma guerra entre dois clãs que vem se estendendo por anos, Tahei e Matashichi decidem esperar até perceber qual lado irá ganhar e, assim, a eles se alinharem. O problema é que demoram demais e, ao chegarem no conflito, acabam sendo confundidos com o lado derrotado e obrigados a trabalhos forçados. Quando finalmente conseguem fugir, em meio a uma terra arrasada, descobrem, quase que ao acaso, que uma das lenhas que pegaram para uma fogueira que pudesse aquecê-los tem nada menos do que barretes de ouro escondidos no seu interior. Acreditam terem se deparado com a sorte grande, mas a ganância os leva a aceitarem novos desafios, visando uma recompensa ainda maior. É quando entra em cena o general Rokurota Makabe (Toshiro Mifune, divertindo-se com o papel), que decide usar os dois bufões em sua missão de transportar a princesa deposta em meio ao povo, de forma incógnita, assim como todo o ouro da coroa, até um local mais seguro, onde possam retomar seus planos de contra-ataque.

Ao longo de mais de duas horas, Tahei e Matashichi farão de tudo para levar vantagem em qualquer mínima oportunidade que lhes seja apresentada. Porém, será um erro atrás de outro. É tanta confusão e desencontro, entre eles e também junto à turma a qual acabarão ligados, que será quase impossível conter não apenas o riso, mas também a admiração pela mente criativa de Kurosawa e seus três co-roteiristas – Ryûzô Kikushima, Hideo Oguni e Shinobu Hashimoto, todos parceiros habituais do diretor. Envolvente do início ao fim, seja pelas sequências de ação como também pelas tiradas de humor, aqui a audiência é apresentada a um precursor de produções emblemáticas da mais ampla gama de identidades, que vão de Indiana Jones até os brasileiros Os Trapalhões. Uma diversão feita com competência e habilidade, que moldou caminhos a serem percorridos por muitos e muitos anos, ao redor de todo o planeta. Não por acaso, foi também o maior resultado financeiro da carreira de Kurosawa, e o fato de funcionar ainda hoje tão bem quanto na sua estreia só comprova a eficácia de cada um dos signos e elementos empregados.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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