Crítica
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Sinopse
Um grupo de jovens ricos faz festas nas favelas do Rio de Janeiro. Porém, o mau tempo pode estragar essa farra.
Crítica
Neville d’Almeida é responsável por A Dama do Lotação (1978), filme que levou mais de 6,5 milhões de espectadores aos cinemas (é a quarta maior bilheteria nacional de todos os tempos). Só por esse feito, portanto, ele já conquistou um lugar de respeito. No entanto, seu último longa a ser levado às telas foi Navalha na Carne (1997), há quase vinte anos. A adaptação do clássico de Plínio Marcos estrelada por Vera Fischer obteve resultados bem aquém do esperado justamente por adicionar uma atmosfera típica dos anos 1970 a um lançamento já quase na virada do século. Era anacrônico, para dizer o mínimo. Pois agora, outras duas décadas se passaram e o realizador volta às telas com A Frente Fria que a Chuva Traz, filme que adapta-se um pouco melhor ao seu tempo, ainda que não consiga se livrar totalmente dos cacoetes e maniqueísmos que fizeram o sucesso do diretor em tempos muito distantes dos atuais.
Baseado na peça teatral de Mário Bortolotto – autor também de Nossa Vida Não Cabe Num Opala (2008) – A Frente Fria que a Chuva Traz parte do universo jovem para falar de algo já muito velho: a luta de classes na sociedade contemporânea. Em cena, temos um grupo de moças e rapazes que inventou como moda o hábito de fazer suas festas “na laje”, ou seja, em locais no meio das favelas dos morros cariocas. Sim, estamos no Rio de Janeiro, só que ao invés de vermos os desfavorecidos descendo de suas comunidades e invadindo o chão de asfalto dos bairros nobres – como tantos outros títulos antes desse já mostraram – dessa vez acompanhamos os playboys no caminho inverso, se embrenhando entre os mais humildes em busca de uma ‘experiência’ – ainda que artificial, é claro.
Os filhinhos de papai estão ali para roubar dos pobres a única coisa que eles ainda tinham de valor: a vista estonteante da capital fluminense. Mas até lá vão com seus carros blindados, sempre com um segurança ao lado e fazendo pouco caso do dono do lugar, que é tratado igual cachorro – se não, pior. Anestesiados em suas vidas vazias, buscam qualquer artifício que os tirem, ao menos por alguns instantes ou horas, do tédio ao qual estão acostumados. Querem sexo, drogas, bebidas, música alta. Querem rir alto e servir de ridículo a quem deles se afasta, apenas para voltar logo em seguida. Os garotos driblam sexualidades turvas em um jogo de poder fálico e imperativo. As meninas estão quase sempre nuas, atiçando, porém com medo de cruzar o limite. Quando uma delas se aproxima demais da favela, é quase estuprada. D’Almeida ri com eles, mas, acima de tudo, ri deles.
A questão é que esse não é um discurso novo, ainda que se apresente de forma atualizada. Jovens sem rumo que não receberam orientação em casa e por isso acabam pondo suas próprias vidas em jogo não são novidades, nem no cinema e muito menos na vida real. Bruna Linzmeyer, como a garota que se prostitui para naquele meio permanecer, repudiando-os ao mesmo tempo em que, por mais que tente se afastar, não consegue ficar longe, é o destaque do elenco, assim como Flávio Bauraqui, que serve como o estereótipo do favelado que tira proveito do rico enquanto esse acredita estar no controle da situação. Mas nem todo o saldo é positivo, e se Michel Melamed oferece mais uma performance constrangedora – algo que vem colecionando em sua carreira – o neo-galã Chay Suede mal diz a que veio, sendo constantemente eclipsado pelo viés dúbio assumido pelo colega Johnny Massaro.
Gritando muito e para todos os lados, Neville d’Almeida e Mário Bortolotto levantam discussões interessantes em A Frente Fria que a Chuva Traz, mas parecem não terem ânimo nem disposição para se aprofundarem em qualquer um destes temas. Assim, o filme fruto da união dos dois acaba indo pouco além do pastiche, circulando clichês e revisitando estereótipos há muito aproveitados pelo realizador em seus trabalhos de início de carreira, como a exploração da nudez – tanto feminina quanto masculina – e o linguajar chulo, que ao invés de representar a origem de seus personagens apenas serve para identificá-los com um extrato social cada vez mais disforme: o burguês típico, que assume essa condição ao mesmo tempo em que luta com todas as forças para se inserir em outras e, a partir daí, destruí-las. Vinte ou trinta anos atrás, talvez esse discurso tivesse algum sentido. Hoje em dia, no entanto, essas linhas divisórias já estão tão difusas que qualquer exercício nesse sentido logo se revela vão e desprovido de maiores significados.
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