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Crítica


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Sinopse

Tudo está em jogo para Ginger e seu bando quando os perigos do mundo humano finalmente chegam ao poleiro. E elas vão até às últimas consequências para manter a liberdade e salvar todas as galinhas, especialmente quando uma novidade avícola coloca o grupo em risco.

Crítica

Depois de muitos anos de expectativas e especulações, finalmente estreou a continuação de A Fuga das Galinhas (2000), animação em stop-motion repleta de referências cinematográficas e com uma mensagem bem clara sobre a valor da liberdade. A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets começa retratando o paraíso das penosas. Ginger (Thandiwe Newton) e Rocky (Zachary Levi) vivem com seus companheiros na ilha que os isola dos humanos. Tudo funciona por ali num modelo cooperativo, com cada engrenagem desempenhando um papel essencial para a rotina ser positiva/produtiva a todos igualmente – numa estrutura coletiva próxima ao socialismo e, por consequência, avessa ao capitalismo predatório representado anteriormente pela granja. E, assim como no longa-metragem original, é indicado investigar as entrelinhas para perceber uma aventura recheada de observações pertinentes sobre temas sérios, tais como as organizações sociais, a autonomia e o poder castrador do medo. Sim, pois Ginger nunca perdeu a liderança e a coragem, mas acaba reagindo de modos menos óbvios diante de novos perigos por conta de duas coisas: quer preservar sua segurança e a filha recém-nascida. Ao observar o trânsito de um furgão suspeito nas redondezas, mesmo depois de identificar a ameaça às galinhas além de sua comunidade, ela quebra as expectativas de todos e defende atitudes para manter esse seu éden.

A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets constrói bem essa base metafórica logo no começo da trama, enfatizando alguns pontos com a mesma sagacidade vista no primeiro filme. Ginger agora é uma alegoria do cidadão de classe média levado a se acovardar e negar a luta depois de conquistar liberdade e ascensão social. Antes oprimida no galinheiro que mais parecia um campo de concentração, ela agora tem uma vida para lá de confortável ao lado dos amigos e da família. Essa pequena felicidade cotidiana obtida a duras penas aciona automaticamente um instinto de preservação que, de certa forma, acaba beneficiando o opressor (no caso, a nova versão da granja). Contente, Ginger pensa inicialmente apenas em resguardar o seu atual modo de vida. Ela era menos acomodada quando tinha pouca coisa a perder e a liberdade tardia a obter. Por outro lado, sua filha, a pequena Molly (Bella Ramsey), simplesmente desconhece outra realidade que não aquela, ou seja, não carrega as memórias de eras difíceis que enfraquecem o ímpeto aventureiro da mãe. Por fim, o filme coloca em jogo o próprio conceito de autonomia, pois a ilha paradisíaca às galinhas (sobretudo àquelas que tiveram dias piores) também delimita a vivência delas. Mesmo pautada pela alegria comunitária, o local também se transforma numa prisão. Tudo isso num filme protagonizado por penosas feitas de massinha e animadas em stop-motion.

Ainda dentro das alegorias que tornam A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets uma continuação apropriada, tendo em vista os parâmetros de excelência estabelecidos por seu antecessor, há o poder da publicidade. Sim, pois Molly fica encantada com o frango feliz dentro do balde, imagem pintada no furgão encarregado de levar as galinhas ao matadouro. Enfeitiçada pela promessa com intenções escusas/comerciais, ela é convidada a cair na estrada e conhecer o mundo. A felicidade postiça como artimanha poderosa para baixar a guarda alheia também é observada nas dinâmicas do aviário 2.0. O ambiente conta com um parque de diversões (aliado ao instrumento de controle mental/emocional) que evita o estresse galináceo comprometedor da qualidade do produto. O filme dirigido por Sam Fell é todo construído sobre essa visão do mundo capitalista como uma máquina feiosa e desalmada de moer matéria-prima para gerar lucratividade. Nesse sentido, a continuação expande algumas ideias semeadas no primeiro longa-metragem, atualizando a sua colocação sobre mecanismos de controle social. Sai o medo puro e simples e entra esse contentamento fake pensado milimetricamente para que as galinhas sequer sofram ao rumarem à máquina que beneficia industrialmente as suas existências em prol do enchimento de baldes engordurados de nuggets e do enriquecimento de poucos humanos.

Formalmente coerente com A Fuga das Galinhas, a nova (e ótima) peripécia dos estúdios Aardman também utiliza um modelo cinematográfico consagrado para formatar as metáforas sociais. Na primeira produção, os idealizadores utilizaram como matriz o filme de guerra e de escapada – chegando a fazer alusões muito claras a Inferno Nº 17 (1953) e Fugindo do Inferno (1963). Já A Fuga das Galinhas: A Ameaça dos Nuggets contém elementos de histórias de invasão, aquelas em que um grupo com habilidades heterogêneas e complementares une forças para entrar num local de difícil acesso a fim de cumprir determinada tarefa – a Saga Missão: Impossível é citada em alguns momentos. Se há algo que depõe ligeiramente contra o resultado (evitando que ele atinja o mesmo nível de grandeza da produção anterior) é que, às vezes, as estratégias de invasão são um tanto genéricas, ou seja, provenientes da mera reprodução de elementos clássicos, sem necessariamente os inserir na lógica própria do filme. Por exemplo, não há ênfase na necessidade de união para os planos darem certo, embora seja algo óbvio. De toda maneira, isso não chega a comprometer tão sensivelmente essa visão madura e crítica de mundo empacotada numa aventura repleta de atrativos visuais. Quase 25 anos depois, Ginger e companhia retornam às telas tendo algo a dizer. Esse retorno não é oportunista, mas oportuno.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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