Crítica
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Sinopse
Uma mulher é encontrada gravemente ferida à beira de uma estrada. Depois que ela morre no leito de um hospital, começa a ser desvendado um dos casos mais bizarros da crônica policial norte-americana dos anos 1990.
Crítica
Boas histórias nem sempre rendem bons filmes. E, da mesma forma, filmes ótimos às vezes contam histórias que não apresentam inicialmente nada de tão especial. Então, para começo de conversa, o argumento “ah, mas a trama é tão instigante” não basta para impermeabilizar uma obra cinematográfica contra eventuais críticas negativas. Feita a introdução, vamos à A Garota da Foto, documentário do tipo true crime (crime verdadeiro, em tradução livre), ou seja, pertencente ao filão, bastante popular na atualidade, que gira em torno de delitos reais (geralmente) inusitados. Tudo inicia com a descoberta do cadáver da jovem Tonya Hughes à beira de uma estrada. Aparentemente vítima de atropelamento, ela não resistiu aos ferimentos e faleceu após um curto período internada em estado grave no hospital. Dançarina e stripper numa casa de entretenimento adulto, Tonya era casada com Clarece, homem bem mais velho com quem tinha um filho, o pequeno Michael. Então, a primeira das inúmeras perguntas que levarão aos não menos múltiplos desdobramentos e descobertas estarrecedores é: quem matou Tonya Hughes? Curiosamente, o homicídio aconteceu no mesmo ano em que chegava às telinhas dos Estados Unidos a célebre série Twin Peaks (1990-2017), que também começa com a descoberta do cadáver de uma jovem igualmente loira que incitou a pergunta: quem matou Laura Palmer?
Em nenhum momento é feito esse paralelo entre os fatos angustiantes e a atração televisiva criada por David Lynch e Mark Frost. O que é uma pena, pois as semelhanças entre Tonya e Laura Palmer se escancaram (e ficam ainda mais impressionantes) à medida que as investigações nos levam ao passado da mulher morta na realidade. Assim como a personagem icônica de um dos seriados mais influentes de todos os tempos, Tonya era popular na escola, descrita pelos colegas como agregadora, mas também sofria em silêncio os efeitos de uma situação doméstica aterradora. Há outra similaridade envolvendo a relação que Tonya e Laura mantinham com seus respectivos "pais". No entanto, ela não será aqui revelada, a fim de preservar surpresas, tanto as da série (para quem ainda não a assistiu) quanto as deste documentário que é descascado como uma cebola rica em camadas. A diretora Skye Borgman opta por um formato tradicional para construir a narrativa de A Garota da Foto. E isso não é um demérito. Ela utiliza depoimentos de pessoas que conheceram Tonya (ou suas outras versões) e de estranhos que acrescem metragem a esse novelo desenrolado aos poucos. Todos são capturados no estilo “cabeças falantes”, ou seja, numa lógica semelhante às reportagens – o que é bastante adequado ao filão true crime. E a realizadora combina o vasto material de arquivo com esses testemunhos.
Skye Borgman ainda lança mão frequentemente de rápidas dramatizações. E elas funcionam como bons complementos. Portanto, enquanto as testemunhas oferecem ângulos sobre a vivência de Tonya, há a ficcionalização de instantes que nos aproximam dessa mulher. Tais dramatizações poderiam servir como muletas, no sentido de duplicar explicações e reiterar visualmente o que é dito. No entanto, felizmente, a cineasta desvia dessa armadilha conveniente que poderia enfraquecer drasticamente o discurso do filme. As encenações servem mais como um acabamento poético das informações mencionadas, como acréscimos que visam ampliar a sensibilização do espectador. E a eficiência desse dispositivo aparece no diálogo entre as recriações e as vozes dos depoentes em off. As imagens não contêm a mesma carga de informação das palavras pronunciadas, complementando-as com uma aura de melancolia residual e permanente. Ainda quanto à construção do itinerário visual de A Garota da Foto, em nenhum momento a câmera viola a intimidade da assassinada, negando o sensacionalismo. Desse modo, quando alguém descreve uma atrocidade, como o estupro da menor de idade testemunhado por sua melhor amiga, a cineasta valoriza a emoção da depoente e evita a representação. O resultado é um bom equilíbrio entre mostrar, sugerir e instigar a nossa imaginação.
No entanto, o maior mérito de A Garota da Foto é a habilidade do roteiro para lidar com a aparentemente infindável sequência de revelações. E, a reboque do assassinato de Tonya Hughes, essa sequência é estarrecedora. A partir da pergunta “quem matou Tonya Hughes” surgem outras questões instigantes motivadas pela inserção de elementos insólitos. O resultado é a obtenção de um painel geral mais complexo do que previa a investigação inicial do homicídio. Identidades trocadas, ameaças de morte, infanticídios, obsessões, brutalidades, tudo isso vai sendo aglutinado numa progressão que emula a investigação criminal. Há uma lógica expansiva nessa narrativa dilatada por informações que não tínhamos no ponto de partida da jornada instigante. Começamos com o foco reduzido sobre o assassinato e o nosso olhar é gradativamente alargado até encararmos uma triste imagem que contempla sequestros, adoções frustradas, crianças entregues a orfanatos, profissionais obcecados por chegar à verdade e muitas descobertas bombásticas. A tragédia de Tonya é encarada com um misto de curiosidade, incredulidade e enorme tristeza. Quantas vidas teriam sido menos negativamente impactadas se algumas decisões erradas não tivessem sido tomadas? Como seria o futuro da jovem caso ela não tivesse cruzado o caminho de um homem que a brutalizou de várias formas? Perguntas sugeridas numa história labiríntica e felizmente contada de modo inteligente num filme muito bom.
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