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Crítica


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Sinopse

Em uma aldeia alpina no norte da Itália, o Detetive Vogel é chamado para investigar o misterioso caso do desaparecimento de Anna Lou, menina de 15 anos de família religiosa. Seria esse desaparecimento repentino um caso de rebeldia adolescente ou existe um terrível criminoso escondido numa comunidade aparentemente tão pacífica? Com métodos questionáveis e em meio a uma intensa cobertura da mídia, Vogel tenta resolver o mistério e ninguém está livre de suspeitas.

Crítica

Os planos de transição com tomadas aéreas, que servem para explorar o ambiente e situar o espectador geograficamente, são bastante comuns nos thrillers criminais, especialmente quando se trabalha com a beleza de paisagens naturais como as dos Alpes italianos, região onde se localiza o vilarejo fictício de Avechot, palco da trama de A Garota na Névoa. Tendo em vista a recorrência de tal prática, a opção do diretor Donato Carrisi por construir esses planos não com imagens reais, mas utilizando uma maquete da cidade, já denota um direcionamento, um apreço pelos jogos de aparências, pelas representações e réplicas. “A regra número um para um grande autor é copiar”, afirma Martini (Alessio Boni), professor de literatura que acaba de se mudar para Avechot e, repentinamente, se torna o principal suspeito do desaparecimento de uma garota local de 15 anos.

É sobre outro personagem, o inspetor encarregado do caso, contudo, que o longa se debruça inicialmente. Encontrado na estrada após sofrer um acidente, o agente Vogel (Toni Servillo) é apresentado no hospital, recontando sua história ao psiquiatra Flores (Jean Reno) e, assim, através de flashbacks, são narrados os eventos que sucederam o suposto sequestro da jovem. Símbolo desse universo de dissimulações, devido a seus métodos repreensíveis e sua moral dúbia, Vogel carrega ainda o peso de um caso do passado, no qual teria forjado provas e manipulado a mídia para incriminar um suspeito que, tempos depois, seria declarado inocente. Mesmo ciente da fama questionável, porém, ele não demonstra qualquer pudor em repetir tal comportamento, vide o “truque” inicial, não necessariamente plausível, que arquiteta para atrair a atenção pública e conseguir mais recursos para a investigação ou ainda a relação de interesses escusos que mantém com uma repórter.

Existe no trabalho de Carrisi, por sinal, um claro tom de crítica em relação ao papel da mídia e sua ânsia por criar heróis e monstros – algo mais uma vez reforçado pela fala de Martini, “O mal é a verdadeira força-motriz de qualquer história”, e assumido também por Vogel ao afirmar ao psiquiatra que seu trabalho era “manter o público feliz”. A noção de que a verdade é colocada em segundo plano pela necessidade de se apontar um culpado permeia a narrativa, fazendo com que a conduta de todos os personagens seja questionada, até mesmo a do pai da menina desaparecida – ainda que muitas suspeitas sejam logo descartadas. Dessa forma, Carrisi faz com que a atmosfera de incertezas e de flerte com a farsa ganhe corpo, especialmente no segundo ato, quando ocorre a transferência de protagonismo para o professor Martini, focando na ruína familiar causada pelas acusações e no iminente confronto com Vogel.

A partir desse momento, o circo midiático da trama se intensifica – com a entrada em cena do advogado – e reviravoltas intrincadas se acumulam, trazendo à memória algo de Garota Exemplar (2014), adaptação do best seller de Gillian Flynn comandada por David Fincher. Carrisi, escritor policial italiano dos mais lidos na atualidade, e que estreia como cineasta levando às telas justamente um de seus romances, definitivamente não possui a veia autoral ou o domínio narrativo de Fincher, deixando, por exemplo, de explorar mais detalhadamente a instigante ambientação – florestas, montanhas, rios – e de mergulhar nas particularidades da cidade, como a questão do fanatismo religioso, e de seus habitantes – exceção feita às breves passagens em que a atendente do posto e o dono do restaurante comentam sobre a falta/excesso de turistas. Todavia, de modo geral, Carrisi realiza uma estreia competente, exibindo um registro sóbrio e visualmente elegante, para conduzir com segurança sua teia de falsas aparências.

A seu favor, o diretor também conta com o talento de Servillo, que compõe um personagem capaz de navegar naturalmente entre o admirável e o desprezível. Sem deixar de evitar certas convenções, como a sequência padrão em que todas as peças do quebra-cabeça são encaixadas – cena curiosamente embalada pela interpretação de Beth Carvalho para o clássico samba “Dança da Solidão”, de Paulinho da Viola – A Garota na Névoa exige um nível razoável de suspensão de descrença para que se aceite a complexidade calcada em muitos acasos por trás de sua grande revelação. Um excesso sobre o qual Carrisi parece ter ciência, buscando justificá-lo por um viés psicológico até certo ponto coerente, diante das pistas contidas na dinâmica confessional de Vogel com o psiquiatra, e que, se não totalmente sólido, ao menos serve à qualidade imprevisível da história. E essa imprevisibilidade, somada a uma dose acertada de crítica e ironia, são fundamentais para a criação desse bom exemplar de gênero.

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é formado em Publicidade e Propaganda pelo Mackenzie – SP. Escreve sobre cinema no blog Olhares em Película (olharesempelicula.wordpress.com) e para o site Cult Cultura (cultcultura.com.br).
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