A Gata Cinderela
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Ivan Cappiello, Marino Guarnieri, Alessandro Rak, Dario Sansone
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Gatta Cenerentola
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2017
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Itália
Crítica
Leitores
Sinopse
Cinderela vive dentro do Megaride, enorme embarcação parada no porto de Nápoles há mais de 15 anos. Seu pai, Vittorio Basile, rico proprietário do navio e cientista, morreu, enterrando com ele os segredos tecnológicos do navio e o sonho de tornar aquele um local desenvolvido.
Crítica
Nesta versão moderna de A Gata Borralheira, Cinderela é uma jovem órfã oprimida pela tirania de sua madrasta Angelica (voz de Maria Pia Calzone), esta que anos atrás tramou uma morte para herdar fortunas. Além do patrimônio financeiro enorme, o espólio contém um navio ancorado no porto de Nápoles, projeto científico curioso que utiliza, sobretudo, o expediente dos hologramas para entrecruzar passado, presente e futuro. Repleto de "fantasmagorias", de animais projetados no ambiente como se partes translúcidas e intangíveis de uma realidade atravessada pela fábula, esse espaço é bem aproveitado pelos realizadores de A Gata Cinderela apenas na fase de apresentação e contexto, ainda que nem ali se esquadrinhem tanto as implicações filosóficas inerentes ao dispositivo que o torna excepcional. Adiante, a tecnologia serve tão e somente de muleta, a fim de mostrar, esquematicamente, aos personagens fatos que revelam caminhos.
Exemplo dessa conveniência é o vislumbre da projeção de um acontecimento capital exatamente no instante em que Cinderela está prestes a equivocar-se. De modo semelhante, outras ocasiões são condicionadas por reminiscências corporificadas. Essa disposição banal de um artifício dotado de potencial também ocorre quando o policial Primo Gemito (voz de Alessandro Gassmann) se depara com a versão antiga de si próprio, episódio rapidamente substituído por uma atenção maior ao âmbito criminal. Esse homem da lei antigamente era uma espécie de tutor de Cinderela (chamada de Mia na infância) e seu reencontro com a protegida de anos atrás não gera mais do que uma comoção imediata. A despeito da belíssima técnica da animação, do evidente cuidado com a decupagem e a direção de fotografia que acentua um bem-vindo estranhamento visual, A Gata Cinderela carece de densidade, além de passar apressadamente por diversos desdobramentos e pormenores.
Difícil, inclusive, cravar quem é a protagonista do longa. Cinderela aparece criança e prestes a se tornar adulta, nesta fase se limitando a “dançar conforme a música”, ora hostilizada pela madrasta e suas filhas, ora se deixando levar pelas promessas do vilão que lhe sinaliza um futuro melhor. É uma figura que necessita de subjetividade, sem espaço de desenvolvimento para além do papel que lhe cabe como derivação da famosa equivalente do conto de fadas. Aliás, A Gata Cinderela evidentemente faz força para determinados elementos rimarem diretamente com a história original, porém sem esforço equivalente para estofar as versões com algo que lhes destaquem. As seis filhas de Angélica são, nesse sentido, apenas um decalque simples da dupla original, sequer sobressaindo dentro do estratagema materno para garantir fama e riqueza. O fato delas se prostituírem aponta ao ímpeto um tanto moralista de adicionar outra suposta falha às suas personalidades.
A se lamentar, portanto, que as boas ideias se percam nesse caminho tortuoso. Falta profundidade aos personagens que, assim, soam como transposições descuidadas, isentas de elementos que as singularizem. Se visualmente A Gata Cinderela apresenta predicados suficientes para prender a atenção do espectador – outro relevo, nesse sentido, é a prevalência do contra-plongée (imagem capturada de baixo para cima) que confere o visual uma peculiaridade provocativa –, no que diz respeito ao roteiro e à dramaturgia o conjunto deixa bastante a desejar. Falta pathos nessa trama preenchida de estratégicas escusas para enriquecer às custas do sofrimento alheio e de expectativas frustradas pela mesma maldade que outrora provocou tragédias. Outro ponto a se objetar é a pouca profundidade do contraste gerado pela maravilha tecnológica ancorada no porto de uma cidade como Nápoles, várias vezes tratada no filme como decadente e à beira da obsolescência.
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