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Crítica


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Sinopse

M e C são um casal. A vida de M é completamente transformada pela trágica morte do esposo. No entanto, ele volta na forma de um clássico fantasma – com lençóis brancos – para tentar consolar sua esposa. Flutuando pela vida de forma passiva, ele acaba vendo sua esposa seguir em frente, à medida que seu espírito embarca em uma jornada cósmica pela memória e história, confrontando as maiores questões sobre a vida.

Crítica

Este filme de David Lowery realmente faz jus ao seu título. A Ghost Story é, literalmente, uma obra sobre fantasmas. Porém, não um terror de gênero, o que já é contestado pela própria aparição que permeia o longa, a clássica concepção de um espírito vagando sob um lençol branco. Poderia ser ridículo, mas é uma escolha estética adequada que permite questionamentos dos mais diversos. A própria presença do protagonista é uma metáfora. Aquele ser está ali, sua presença ainda é sentida como espírito, mas, no nosso plano físico, será que ele ainda existe? São fantasmas do passado que não nos deixam seguir em frente? A memória nostálgica pode ser um empecilho para o futuro? Ou podemos aprender com eles e, assim, deixá-los pra trás? E o que vem pela frente para a própria vida e a humanidade como um todo?

Rooney Mara e Casey Affleck repetem sua parceria com o diretor e roteirista, aproveitando muito da química já estabelecida em Amor Fora da Lei (2013), para contar a história de M e C, ou Ela e Ele, como preferir, que tem sua rotina de casal feliz interrompida por conta da morte do rapaz. Assim que o corpo jaz no hospital, seu fantasma surge, com um lençol branco por cima do corpo e apenas dois furos no lugar dos olhos. Ele retorna para casa, onde acompanha passivamente o sofrimento da amada, suas noites mal dormidas, seu desespero pela perda, até o passar do tempo e ela arranjar outro. Ou seriam outros? Não faz diferença, afinal, não se sabe até que ponto isso afeta aquele espírito preso ao seu antigo par.

Há uma escassez de diálogos que pode incomodar os mais ávidos por ações, discussões e palavras trocadas. O que impera é o silêncio. O diálogo com maior número de falas não vem nem dos protagonistas, e sim de um coadjuvante que faz questionamentos sobre a continuidade da vida, do legado, da imortalidade humana através do que ela deixou às gerações seguintes. Provavelmente o monólogo, que não deve durar mais que cinco minutos, resume muito bem a preocupação em não deixarmos de existir, mesmo que nossos corpos apodreçam e virem terra. É uma metáfora do que o próprio C sente, ainda que não vejamos seu rosto para contemplarmos qualquer expressão facial. Depois que sua amada vai embora da casa, o silêncio ao qual já estamos acostumados só não se torna sepulcral por conta de novos moradores que vão passando por ali. Todos vigiados por C, é claro.

Há dúvidas sobre o quanto esse fantasma pode influenciar na vida terrena, já que ele não consegue encostar em M. Porém, quando uma mãe solteira de origem latina se muda para lá com os dois filhos, a revolta toma conta do fantasma, que atira e quebra pratos por toda a cozinha. Será que, finalmente, ele sentiu a dor da inexistência? Assim, o longa acaba conversando muito com o cinema de Terrence Malick, especialmente sua obra-prima, A Árvore da Vida (2010). Somos jogados no tempo e espaço pelas contemplações do fantasma, como se ele também fosse um espectador ativo que quer nos colocar na ação, mesmo que o próprio não consiga influenciar algo. Por conta disso, mais questionamentos surgem sobre o que se passa na tela, numa rara solidão em que a sétima arte é capaz de nos deixar.

Se antes havia M comendo uma torta como se precisasse preencher de forma física o vazio que sente por dentro pela falta do marido, agora o fantasma é quem se encontra mais perdido do que nunca. Não à toa a aparição de outro ser do mesmo formato na casa vizinha. Aquele que questiona “estou esperando, mas não sei quem”. A diferença entre os dois é que C parece saber o que ou quem quer, ainda que uma única palavra seja proferida por ele. Os planos e a fotografia muito bem articulados conversam com esta sensação de infinitude que o longa parece querer passar. Mas os caminhos estão abertos para as mais variadas interpretações.

Afinal, A Ghost Story trata de que? É acerca do amor, da ilusão, do sofrimento, mas, especialmente, sobre perda. Perda de um ente querido, de um lugar que acalme, de uma voz para fugir da realidade. Dá fé na humanidade, do futuro incerto, das origens do ser humano. É um fluxo de pensamento constante que leva a diversas questões, como um quebra-cabeça filosófico praticamente impossível de ser montado, mas nem por isso menos instigante. Lowery entrega com este exemplar sua obra mais impactante, autoral e até pretensiosa, a despeito de seu baixíssimo orçamento. É cinema-arte na mais pura concepção. Talvez, por isso mesmo, agrade a poucos. É só saber apreciar, assim como a 9ª Sinfonia de Beethoven.

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é crítico de cinema, apresentador do Espaço Público Cinema exibido nas TVAL-RS e TVE e membro da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul. Jornalista e especialista em Cinema Expandido pela PUCRS.
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