Crítica
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Sinopse
Quatro sujeitos anteviram a crise econômica norte-americana de 2008. Investidores ousados, passaram a limpo a obscuridade dos mercados dos Estados Unidos, questionando a partir dela o jeito estadunidense de viver.
Crítica
Quem está melhor? Aquele que percebeu que a bomba ia estourar antes de todo mundo e resolveu lucrar com a tragédia eminente? O que quando confrontado com a catástrofe que está por acontecer se recusa a acreditar na sua real dimensão, mas mesmo assim decide investigar, ficando cada vez mais surpreso durante o processo? Ou quem há muito já desistiu do jogo mas, mesmo diante de suas convicções contrárias, decide participar do esquema, nem que seja para provar seu ponto de vista inicial? Talvez todos, muito provavelmente nenhum, ou quem sabe um outro perfil ainda não delineado. A certeza, no entanto, é que estes são apenas alguns dos diversos lados explorados com inteligência e bastante perspicácia pelo diretor e roteirista Adam McKay em A Grande Aposta, um dos filmes mais revolucionários e provocadores desta atual temporada.
Para se ter uma ideia – e só uma noção, longe ainda do quadro completo – do que é A Grande Aposta, o ideal seria imaginar uma possível combinação do que há de melhor em títulos como O Lobo de Wall Street (2013) – pela temática – e Spotlight: Segredos Revelados (2015) – pelo formato. Ou seja, o filme é um grande painel, com um elenco estelar, que trata de um episódio tão perturbador quanto verossímil. O ponto de partida é o mercado financeiro norte-americano, principalmente o focado na questão imobiliária. Assim como Margin Call: O Dia Antes do Fim (2011) tratava de uma tragédia econômica anunciada com bastante seriedade e segurança, esse aqui também parte desse princípio, porém usando com propriedade muito bom humor e desenvoltura. O resultado é tão estarrecedor quanto envolvente.
Adam McKay era conhecido até então por ter dirigido comédias como O Âncora (2004) e Quase Irmãos (2008) e escrito o roteiro do recente sucesso Homem-Formiga (2015). Se olharmos em retrospecto numa visão macro sua filmografia, não seria estranho afirmar que estes trabalhos foram exercícios que serviram para lhe preparar para o desafio de realizar A Grande Aposta. Baseado no romance homônimo de Michael Lewis, que por sua vez se debruçou no episódio real na crise financeira norte-americana de 2005, o longa é uma grande radiografia que investiga as razões – petulância, arrogância e desrespeito total ao mercado entre elas – que levaram ao cenário caótico revelado há mais de uma década. O cineasta faz uso de um humor ácido, quase satírico, explorado com bastante dinamismo e irreverência, para tratar de um assunto muito sério, porém sem nunca ser enfadonho ou gratuito.
Uma questão crucial, no entanto, precisava ser evitada: como não incorrer num didatismo exagerado para trazer o público para dentro dos dramas vividos pelos personagens, sem com isso investir em muitas explicações ou soluções simplistas. Parte-se, assim, para uma fórmula inusitada, que funciona justamente por sua franqueza. Há muitos termos técnicos, questões específicas e detalhes próprios de quem domina o assunto – o que, é preciso concordar, forma uma parcela pequena do grande público. Assim, o diretor recorre a celebridades como Margot Robbie ou Selena Gomez, em aparições ex-machina, apenas para tornar óbvio aquilo que envolve tanto esforço para parecer complicado. Desmistifica-se a engenhosidade do golpe, e com isso ganha tanto o filme quanto seus espectadores.
Quatro nomes, no entanto, são fundamentais para que A Grande Aposta funcione. Christian Bale – em uma composição mais detalhada e eficiente do que a vista em Trapaça (2013), por exemplo – é o gênio incompreendido no qual ninguém acredita, mas que consegue ver antes de todos o amanhã nebuloso que se aproxima. Steve Carell, por outro lado, é o profissional com anos de trabalho cuja experiência não conseguiu lhe preparar para uma realidade como esta que se anuncia. Desprovido de muletas – como a maquiagem exagerada de Foxcatcher (2014) – ele surge de cara limpa como o homem comum – como eu e você – diante da tempestade, facilitando o processo de identificação com a trama. Já Ryan Gosling é o yuppie que segue a onda, indo de um lado a outro conforme a maré. Quase como um mestre de cerimônias, ele é a figura central que guia o olhar da audiência pelos meandros da discussão. Num ponto extremo, surge em uma participação quase especial Brad Pitt (também produtor do filme, usando seu nome como um coadjuvante de luxo), como o desiludido que entende melhor do que qualquer outro as engrenagens em ação, mas nem por isso parece inclinado a entrar no jogo. Cada um responde por uma ponta, e ainda que entre eles circulem um que outro de maior destaque, estão nestes vértices a atenção do roteiro e da audiência.
Cruel sem ser violento, mordaz sem ser debochado, real sem ser monótono, A Grande Aposta é o filme que melhor retrata o momento em que vivemos, em que cada um pensa apenas no próprio umbigo e pouco consegue olhar alguém do seu próprio campo de alcance, ignorando o inevitável quadro maior. Como peças de um quebra-cabeças que só fará sentido quando completo, cada elemento explorado em cena – do conjunto de atores aos diálogos afiados, das negociatas em desenvolvimento às consequências de suas ações, dos prós aos contras – é ajustado com precisão, pois qualquer modelo mais cru ou sisudo não só afastaria a verdade como também teria efeito contrário, evitando um debate atual e relevante a um mundo em constante mutação. E ainda que tenha sido presença frequente nesta atual temporada de premiações, é pouco provável que obtenha um reconhecimento imediato à altura da dimensão do seu discurso – o que só conta a seu favor, pois esse exige reflexão e a serenidade do tempo. Afinal, a realidade aqui exposta pode provocar risos, mas o que permanece até o final é aquele de gosto amargo que pesa na consciência. Qualidade de grandes obras, e não de meros passatempos.
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