Crítica

Not (Benoît Poelvoorde) é um velho punk, sem responsabilidades ou objetivos na vida. Segundo ele, é o mais antigo punk com cachorro da França. Vivendo na rua, mendigando moedas, curtindo seus shows de rock, Not é uma figura sem qualquer tipo de preocupação. Seu irmão, Jean-Pierre (Albert Dupontel), é o oposto disso. Vendedor de colchões, pai de uma criança, enfrentando divórcio, Jean-Pierre tenta ao máximo fazer o que se espera dele. Infelizmente, falta de sorte (ou competência) minam suas tentativas. Depois de não alcançar as cotas de venda – e de praticamente enlouquecer no emprego – Jean-Pierre é demitido por justa causa. Sem dinheiro no banco, sem qualquer perspectiva de outro trabalho devido à crise, Jean-Pierre acaba aprendendo de Not lições sobre como viver na rua, sem amarras ou preocupações. Em poucas palavras, esta é a história da comédia A Grande Noite, escrita e dirigida pela dupla Gustave Kervern e Benoît Delépine, vencedora do Prêmio Especial do Juri da Mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes em 2012.

Os dois personagens centrais são os destaques de A Grande Noite, num primeiro momento pela sua abismal diferença e, posteriormente, pela influência que um terá na vida do outro. Na primeira cena que dividem, Not e Jean-Pierre conversam com o pai de forma completamente ininteligível, ambos falando ao mesmo tempo assuntos totalmente diversos. Existe uma rixa fraternal, com Jean-Pierre tentando diminuir o irmão, chamando-o inclusive pelo nome de batismo, Ben, fato que Not não perdoa. Curiosamente, com o desenrolar da trama, o velho punk conseguirá rebatizar seu irmão como Dead, formando uma nonsense dupla “Not Dead”.

Com o passar do tempo, o espectador começa a perceber que ainda que sejam diferentes como água e vinho, os irmãos tem uma trilha de sucesso (ou falta de) parecida. Da mesma forma que Not pode não ter vencido na vida como poderia ser esperado, Jean-Pierre é um perdedor nato. Suas variadas tentativas de alcançar o sucesso são infrutíferas. No entanto, sua vontade de não repetir os passos do pai, que possui um restaurante centrado em batatas, acaba o deixando na rua, ao lado de Not, sem novas perspectivas. Uma crítica interessante dos realizadores sobre pessoas que simplesmente não conseguem se encaixar na sociedade – e que vivem à margem, sem grandes objetivos.

Para uma comédia, A Grande Noite não provoca gargalhadas, mas possui algumas boas gags. Not dançando em frente à uma vitrine espelhada, com pessoas o vendo do outro lado enquanto comem pizza; A frustrada tentativa de salvar um suicida; Ou as tentativas do velho punk em agenciar seu irmão em novos trabalhos são boas ideias, bem executadas pela dupla de diretores. Existe inclusive uma ponta divertida de Gérard Depardieu, vivendo um vidente fajuto, repetindo a parceria com os diretores de Mamute (2010).

Com algumas cenas beirando o realismo (apostaria que algumas das pessoas abordadas por Not no supermercado são não-atores, encontrados no próprio lugar), A Grande Noite pode não ter um ritmo constante, mas ganha a atenção do espectador pelas performances de Benoît Poelvoorde e Albert Dupontel, formando uma dupla que foge completamente do lugar-comum. Diálogos sem sentido e situações beirando o surreal ajudam na construção daquela realidade punk em que os dois se encontram. Por não apostar em um desfecho convencional, o longa-metragem conquista pela sua imprevisibilidade e pela crítica social. Poderia ter uma narrativa menos solta e personagens coadjuvantes melhor aproveitados e desenvolvidos. Mas se a vida dos protagonistas não é perfeita, não dá para esperar que o filme o seja, certo?

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