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Sinopse

A Guerra do Amanhã se passa em 2051, quando a maior parte do mundo foi dizimada e os Estados Unidos estão em guerra contra extraterrestres. A única alternativa para garantir a sobrevivência da raça humana é recrutar soldados do presente para lutarem no futuro. Dan (Chris Pratt), um professor de biologia com formação militar, se torna uma das principais armas para encontrar a fórmula capaz de exterminar os inimigos. Ele tem apenas uma semana para viajar ao futuro e salvar a humanidade.

Crítica

O planeta é alvo de um ataque alienígena. Todos os países tiveram suas populações dizimadas – menos os Estados Unidos, claro. Cidadãos são enviados à batalha, e logo percebem que apenas um homem, Dan Forester (Chris Pratt), um professor de biologia musculoso, poderá salvar a humanidade. Aliás, não apenas ele: as chaves para a sobrevivência na Terra cabem ao professor, sua filha, a esposa, o pai idoso e um aluno do Ensino Fundamental. Pode-se dizer que o universo gira em torno de Dan: a partir do momento que ele entra em cena ao lado da sargento Romeo Command (Yvonne Strahovski), os demais soldados desaparecem. Quando ele visita a Rússia, descobre em questão de minutos (literalmente) um segredo guardado há décadas. Neste caso, o mundo existe para este herói que a trama insiste em vender como um sujeito qualquer, pai de família e professor entediado, sugerindo então que existe um soldado dentro de cada um de nós – pelo menos, dentro dos homens brancos, com formação tática e de guerra, dotados de conhecimentos excepcionais de ciência e com preparo físico apropriado para o combate letal. A Guerra do Amanhã nunca sabe ao certo se enxerga em Dan um norte-americano comum ou um norte-americano heroico, talvez por acreditar que ambos sejam a mesma coisa.

A Guerra do Amanhã lembra os filmes de ação brucutu dos anos 1980 e 1990. Logicamente, ao ser concebido para uma plataforma digital, ganhando lançamento online, ele se converte num sintoma dos nossos tempos. A presença expressiva de personagens negros e mulheres (embora em posições secundárias em relação ao homem branco) também aponta às demandas contemporâneas de inclusão social. Nos demais aspectos, o projeto resgata uma visão de mundo e de cinema digna das produções de trinta anos atrás, estreladas por Bruce Willis, Tom Cruise ou Nicolas Cage. Não há planos para o combate ou formação dos novos soldados: eles recebem uma arma e são enviados à guerra. Boa sorte. Custava alguém avisar que os monstros morrem apenas com um tiro no pescoço ou na barriga, já que esta era uma informação conhecida? Estamos na lógica do “atire primeiro, pergunte depois”. “Se a gente levar esta questão para as Nações Unidas, eles vão ficar debatendo durante anos”, argumenta um personagem, antes de o grupo decidir, por unanimidade, pegar em armas e resolver a questão sozinhos. A reflexão se torna uma ferramenta dos fracos: os homens “de verdade” saem atirando para todos os lados. Contrariamente aos sobreviventes egoístas, Dan jamais deixa um membro de sua equipe para trás, correndo risco de morte para salvar um dos seus. Adiante, efetua outros gestos altruístas para salvar mulheres em perigo. O protagonista é forte, destemido, gentil, solidário, consciente, pai amoroso, marido presente, professor esforçado, profissional dedicado. Ele não possui defeitos porque não representa uma pessoa real: Dan corresponde à idealização do herói e do American way of life, ou ainda da “terra dos bravos e dos livres”.

Poderíamos pensar que este cinema belicista, onde um homem escolhido pelo destino se sacrifica em nome da raça humana, tinha desaparecido do cinema contemporâneo. Guerra dos Mundos (2005) já trazia nuances políticas, apesar do olhar patriótico de Steven Spielberg. No filme de 2021, o comando da trama cabe a um cineasta sem experiência na ação ou ficção científica: Chris McKay, especialista em animações cômicas voltadas ao público familiar (a série Frango Robô, 2007 – 2012, LEGO Batman: O Filme, 2017). Neste caso, percebe-se o conhecimento limitado do diretor no gênero. Os conflitos são acelerados em ritmo impensável, comprimindo em 2h20 uma trama que precisaria de uma franquia inteira (ou uma série) para se desenvolver. Por isso, diversas passagens perdem o sentido ou a verossimilhança: Dan se torna a figura mais conhecida do batalhão assim que põe os pés no planeta do futuro; efetua um voo secreto à Rússia sem despertar suspeitas; cai dos céus com uma ampola frágil que nunca se quebra; arma um campo de explosivos em tempo recorde; fabrica uma fórmula química em quantidade suficiente para exterminar os adversários num simples corte da montagem. Para soarem naturalistas, essas ações precisariam de tempo, de processos e preparações, de causa e consequência. Seria lógico que o protagonista pelo menos se machucasse, ou demonstrasse alguma dificuldade real diante das criaturas.

Além disso, diversos elementos de direção soam deslocados. A trilha sonora com orquestras exageradas, típica do clímax, irrompe em três momentos durante a história; as câmeras lentas durante o confronto nas ruas remetem ao caráter artificial dos videogames; enquanto o desenho dos alienígenas constitui uma mistura da criatura clássica de Alien, o Oitavo Passageiro (1979) com os seres de O Enigma do Outro Mundo (1982), apesar da organização social emprestada às abelhas. Alguns dispositivos narrativos se revelam inúteis ou pouco importantes (a peça metálica no antebraço, as doze ampolas azuis), e outros são apenas absurdos (os conhecimentos de um garotinho fascinado por vulcões, e a apresentação pronta no computador). Isso sem falar nas incontáveis frases de efeito de coragem (“Eu e você vamos salvar esse mundo... juntos!” e o discurso final piegas). Mesmo as tiradas cômicas, atribuídas a Charlie (Sam Richardson), funcionam mal, algo surpreendente para um diretor especializado no humor cáustico. De certo modo, Chris McKay se leva a sério nesta produção – uma aposta contraproducente para a trama sobre buracos de minhoca improvisados, alienígenas mal estudados e desprovidos de registros em imagens, e um mártir que possui todas as armas necessárias dentro de sua própria família. Existe um aspecto tão improvável e ridículo que o filme precisaria incorporar a autoparódia para se tornar divertido.

Resta uma enésima homenagem à masculinidade e à virilidade a partir de um herói padronizado – até as mulheres mais fortes precisarão de resgate por parte de Dan. Em paralelo, afirma-se o ponto de vista conservador e maniqueísta: os norte-americanos destemidos lutam contra os monstros provenientes – adivinha? – da Rússia, com partes da China. Algumas cenas gigantescas, repletas de efeitos especiais, funcionam bem – caso da colisão do navio de cruzeiro – enquanto outras refletem problemas de finalização – a exemplo da cena inicial, com cores e chroma key mal elaborados. No momento em que as maiores produtoras apostam em valores seguros para superar a crise pandêmica, os estúdios Amazon investem num cinema anacrônico, marcante em Sem Remorso (2021) e A Guerra do Amanhã. Embora um deles explore a ficção científica e o outro corresponda a uma trama clássica de guerra e espionagem, ambos se amparam na visão de mundo patriótica, desprovida de humor ou autocrítica, resolvendo no tiro as diferenças contra os inimigos do leste. Os produtores restauram a atmosfera de Guerra Fria, exaltando a coragem do exército, a bravura dos homens e o poder das balas, sob um fundo de elogio à família patriarcal (pobre Betty Gilpin, limitada à “esposa do protagonista”, esperando em casa enquanto o homem parte para a aventura). Trata-se de um heroísmo romântico de direita, além de uma ilusão salvacionista tipicamente colonizadora.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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