A História de Adele H.
Crítica
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Sinopse
Adele Hugo, filha do grande escritor e estadista francês Victor Hugo, foge da família para Halifax, no leste canadense, em busca de seu antigo noivo, agora tenente do exército. Porém, este nada mais quer saber de Adele, e recusa se encontrar com ela. História sobre a obsessão do amor, retirada dos diários de Adele Hugo.
Crítica
François Truffaut teve muitas paixões. O cinema certamente foi a maior delas, desde o início da sua carreira, como crítico de cinema, até o momento em que decidiu se dedicar por inteiro não mais somente à teoria, mas também à prática do fazer cinematográfico. Muitos sabem da sua admiração pelo genial Alfred Hitchcock – que, inclusive, rendeu o referencial livro de entrevistas Hitchcock / Truffaut – e do seu apreço pelo ator Jean-Pierre Léaud, que viveu em diversas fases da vida, da infância à velhice, o alter-ego Antoine Doinel. Mas o interesse especial que talvez não tenha ficado muito evidência era o apreço do realizador por mulheres fortes e obstinadas. E, destas, poucas puderam se comparar à Adèle H., que escondia o sobrenome famoso (filha do celebrado escritor Vitor Hugo, autor de, entre outros, Os Miseráveis) e que largou tudo – família, amigos, futuro, orgulho pessoal – para ir atrás de um amor impossível, de um homem que não mais a queria. E é esta a jornada – do filme e da personagem, fictícia e real – que acompanha A História de Adele H., um dos seus trabalhos mais singulares.
Quando conhecemos Adèle Lewly (só posteriormente seu verdadeiro nome será revelado) ela está desembarcando na América, após longa viagem de navio. Sem ter para onde ir e com o dinheiro contado, pede para o motorista que a leve até uma pousada de família, simpática e não muito cara. Aos poucos seus planos vão sendo revelados: está atrás do oficial Albert Pinson (Bruce Robinson, que depois seria indicado ao Oscar pelo roteiro de Os Gritos do Silêncio, 1984, e que há pouco dirigiu Johnny Depp em Diário de um Jornalista Bêbado, 2011), recém enviado pelo exército francês para prestar serviço neste novo posto. Mas quem imagina que ele está ansioso esperando por ela, muito se engana. O coitado recebe a notícia da presença dela na vila com desdém, e ao procurá-la, dias depois, tem apenas um objetivo: reafirmar sua total falta de interesse nela. O que uma vez houve entre os dois já acabou, e daquilo ele prefere nem guardar lembranças. Mas quem diz que a garota entende o recado? Visivelmente desequilibrada, prefere seguir agindo como se ignorasse os fatos óbvios que se desenrolam em sua frente, acreditando mais no que se passava em sua mente do que no que de concreto se sucedia. E a partir de então passa a mentir: para a família, para os hospedeiros, para os poucos laços que estabelece naquele novo local – o livreiro, o rapaz dos correios. Mas, principalmente, para si mesma.
A presença de Truffaut, neste filme, é mais do que discreta – mesmo uma rápida participação como ator, como um dos militares, é tão rápida que se assemelha às figurações de Hitchcock em seus próprios trabalhos. Se pouco vemos sinais do seu cinema de costumes, mais íntimo e pessoal, o identificamos nos detalhes, no inconsciente, no estudo de personagem que desenvolve a partir das ações e reações de sua protagonista: Adèle cria e recria, a cada instante, um novo mundo, e qualquer sinal de mudança e melhora logo é esclarecido como um mergulho ainda mais profundo na loucura que vai desenvolvendo. A paixão, aqui, não é arrebatadora, muito menos libertadora. Ela consome, destrói e perverte, arrasando com quem dela deveria se nutrir, até o último suspiro. E, no final, o que sobra é somente o preto das roupas, pois os sentimentos já se foram há um bom tempo.
Com o formato escolhido para narrar A História de Adèle H., quem ganha espaço é uma hipnotizante Isabelle Adjani, num desempenho nunca menos do que arrebatador. Por esse trabalho ela concorreu ao Oscar e ao César, além de ter sido escolhida como Melhor Atriz pelo National Board of Review e pela Sociedade Nacional dos Críticos de Cinema dos EUA. Mas o diretor não ficou para trás, e seu sensível exercício como realizador foi compensado com o prêmio de Melhor Filme do ano pelo Sindicato dos Críticos de Cinema da França. Repleto de informações extra-fílmicas, esta obra termina numa nota de ironia trágica, mostrando que mesmo após as mais turbulentas tempestades a bonança ainda irá surgir, mesmo que nunca na forma esperada. Não se trata de um longa fácil de ser assistido e muito menos algo apaixonante, mas ainda assim possui qualidades suficientes para justificar a assinatura deste que é um dos maiores realizadores do cinema francês.
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