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Crítica


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Sinopse

O jovem tenente Grigory Kolokoltsev tem ideias avançadas sobre como deveria se comportar o exército da Rússia. Filho um alto comandante conservador, ele vai para uma pequena cidade, Nela, passa a frequentar a casa do escritor Liev Tolstói e tenta colocar em prática sua visão da organização secular que protege a coroa russa.

Crítica

Histórias ambientadas em circunstâncias militares tendem ao drama. Isso porque a simples existência de pessoas treinadas para rechaçar inimigos pressupõe tensões. O código de regras severas que impõem a disciplina como filosofia de vida é outro ponto que frequentemente sobressai em tramas estreladas por soldados e demais níveis da hierarquia marcial. Em A História de uma Nomeação, o tom sutilmente inclinado ao ácido minimiza essa solenidade toda – ainda mais se pensarmos que tudo se passa no século 19, quando a Rússia ainda vivia sob um tradicional regime czarista. O protagonista é Grigoriy (Aleksey Smirnov), um bon-vivant que constantemente quebra os protocolos de seu destacamento. Ele chega em casa muito depois da hora recomendada, além de incorrer em bebedeiras e jogatinas. É filho de um altíssimo comandante que evidentemente o enxerga como desgraça. Com isso, está desenhado um típico drama em que o representante da nova geração se divide involuntariamente entre a rebelião contra a figura paterna (alô, alô, psicanálise) e a necessidade quase inevitável de deixar seu pai (antecessor) orgulhoso. No entanto, a cineasta Avdotya Smirnova não faz desse o único, tampouco o principal, motivo do longa-metragem. O paradoxo que atravessa o jovem tenente é utilizado apenas como um dos elementos da trama que vai abrindo espaço para novos dilemas.

Tentando provar ao seu pai que é capaz de viver longe das regalias da capital, Grigoriy vai parar no grupo peculiar de um quartel interiorano. Seus novos colegas são indisciplinados e sofrem abusos físicos dos superiores – e reproduzem a violência como forma de comunicação. E isso causa atritos com o recém-chegado de pensamento mais liberal. Porém, Avdotya Smirnova não se detém nos aspectos profunda e evidentemente dramáticos dessas tensões, preferindo expandir gradativamente o leque de opções de personagens e demandas enquanto tenta manter a pegada agridoce. Quase negligenciando a angústia do filho, que ora pretende negar as posturas do pai, ora parece inclinado a segui-las para conseguir aprovação, ela amplia o foco para expor a comunidade local. Então, o filme passa um bom tempo aproveitando as andanças do protagonista para mostrar do que são feitos os subordinados, os superiores e os amigos que ele resgata/faz nesse meio tempo. A História de uma Nomeação propõe um vai e vem entre os coadjuvantes, às vezes levantando outras questões a serem encaradas – frustração, traição, anseios interditados pelas normas –, o que torna o protagonista uma testemunha. Aliás, há indecisão entre fazer do tenente um centro gravitacional ou encara-lo como observador.

Quando Grigoriy muda de vida, indo para o interior e convivendo, inclusive, com outra lógica cotidiana militar, podemos pensar em três caminhos a serem seguidos: 1) ou as ideias progressistas dele serão determinantes para modificar a configuração do espaço retrógrado; 2) ou ele acabará aprendendo uma lição valiosa no contato com gente de estratos sociais diferentes; 3) ou uma combinação das duas anteriores, com valiosos aprendizados mútuos. Essa reciprocidade até chega a ser sugerida em A História de uma Nomeação, mas a cineasta perde as rédeas dela ao permitir uma dispersão. Um dos núcleos que deflagram isso é o de Liev Tolstói (Evgeniy Kharitonov). O protagonista se torna frequentador assíduo da residência desse famoso escritor, compartilhando noções e informações que serão mais importantes ao encerramento do que ao miolo (mole) do filme. Existem mudanças abruptas de perspectiva que também depõem contra a experiência. Por exemplo, em dado momento a discussão sobre o progressismo na caserna nem bem foi desenvolvida a contento e já se passa à reflexão sobre conflitos amorosos na casa do autor de Guerra e Paz. Ao tentar conferir pesos equivalentes a tudo, a realizadora torna as coisas relativamente frágeis e, assim, flerta com a banalidade.

Senão vejamos. Conversas sobre infidelidade, extravagâncias na administração da propriedade do conde, rompantes de agressividade doméstica, ou seja, tudo o que acontece na residência abastada de Liev Tolstói não respinga de modo intenso nas questões militares/sociais. Grigoriy simplesmente está entre dois mundos diametralmente opostos (a burguesia letrada e os soldados analfabetos), mas não há algo de convincente a partir das fricções entre tais realidades. O próprio personagem de Aleksey Smirnov acaba esmaecido pela frouxidão do roteiro. Às vezes parece um reformista verdadeiramente empenhado em humanizar a dinâmica do exército. Noutras tantas, soa apenas como um privilegiado que deseja afrontar o pai para conseguir um pouco de sua atenção. O que A História de uma Nomeação tem de melhor (e singular) é a tentativa de imprimir alguma leveza a esse enredo baseado em fatos, com boas manifestações do ridículo oriundo de postulados e condutas consolidados pela tradição. Porém, o filme tem uma drástica mudança de tom no seu terço final. Os atos do protagonista rendem conclusões trágicas, além da concentração no impasse dele (o que retoma as contradições na relação com o pai) e na culpa forçada do escritor que pretende defender um sujeito prestes a ser executado. Entre mortos e feridos, sobram as boas ideias executadas sem tanta inspiração.

Filme visto online durante o 2º Festival de Cinema Russo, em outubro de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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