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Sinopse

Por conta de sua origem, David Copperfield precisa atravessar um mundo caótico para encontrar seu lugar. Em meio a essa trajetória árdua, ele descobre um imenso talento para contar histórias e se depara com o amor.

Crítica

Há certo charme na excentricidade com a qual o cineasta Armando Iannucci leva às telonas um dos livros mais importantes do escritor Charles Dickens. O protagonista é David Copperfield (Dev Patel), órfão de pai que vive desventuras na Inglaterra vitoriana. Obrigado a sair de casa após exibir incompatibilidade com o padrasto linha-dura, ele é levado a Londres, onde passa a morar com uma família acostumada a fugir de credores. A infância miserável, também presente em outros escritos de Dickens, tais como Oliver Twist, é aqui atenuada pelo tom levemente exagerado das tramas contadas pelo sujeito empenhado em entreter uma plateia. A História Pessoal de David Copperfield é uma comédia com toques burlescos, na qual os problemas sérios são edulcorados com ligeiros toques de fábula. Levando em consideração que estamos testemunhando o fruto de um relato subjetivo, logo dado a hipérboles, subtrações e outras operações comuns, é, no mínimo, surpreendente – embora o espanto seja mal explorado, apenas mostrado no fim –, que a realidade seja quase igual. O filme acumula situações despojadas de densidade, impondo-se como um conto de vigor moderado.

A História Pessoal de David Copperfield é repleto de figuras que poderiam render melhor, se conduzidas por alguém dotado de uma leitura poética diante das esquisitices. Por exemplo, Wes Anderson provavelmente extrairia muito mais dessa pegada extravagante, especialmente pela disposição por trabalhar aspectos formais em consonância com as singularidades do aspecto humano. Armando Iannucci, cineasta experiente na televisão – é um dos criadores do seriado Veep (2012-2019) – se contenta em mostrar a peculiaridade das pessoas, não criando um universo próprio à espessura dessas características. Voltando a David, ele adentra na vida adulta e se depara com problemas não tão diferentes dos enfrentados enquanto ainda era uma criança. Mas, não há a investigação de seu martírio. Nem mesmo nos instantes mais dramaticamente intensos o realizador coloca em risco a possibilidade de uma reviravolta. No frigir dos ovos, se trata, curiosamente, de uma produção em que o otimismo prevalece sobre qualquer obstáculo enfrentado. Assim sendo, perde-se em consistência dramática. É privilegiado o âmbito da invenção, daquilo que ultrapassa os limites da verdade.

Um dos grandes trunfos de A História Pessoal de David Copperfield é o elenco estelar. Dentre os nomes famosos, se destacam Tilda Swinton, como a tia dada a espantar os burros de sua propriedade; o primo avoado interpretado por Hugh Laurie; e o criado humilde com manias de grandeza encarnado por Ben Whishaw. Sempre que um deles está em cena, Dev Patel empalidece, principalmente por que Armando Iannucci o reduz ao papel daquele que observa e alinhava os outros. David Copperfield não tem suas características demarcadas tão fortemente como seus coadjuvantes, virando apenas um sujeito que lança mão de estratagemas para não sofrer mais. Seu envolvimento com a filha do benfeitor, algo verbalizado como profundo e intenso, não é convincente. Aliás, toda essa dinâmica do verdadeiro amor velado pelas conjunturas urgentes, ameaçado por um interesse colateral aparentemente arrebatador, é mal desenvolvido pelo realizador. No fim das contas, é como se o protagonista fosse espectador da própria história, pois esta vale o quanto pesam todos os demais. As cerca de 1300 páginas do romance (contando a última edição brasileira) são cobertas bastante às expressas.

Aproximando-se de outros exemplares de época que têm traços de contemporaneidade – tais como a série The Great (2020-) e o filme A Favorita (2018) – A História Pessoal de David Copperfield não busca a veracidade histórica, propondo um para-realismo. Tanto que apresenta um elenco multirracial, sem que a diversidade se torne debate. O fidalgo branco é filho de uma mãe negra e isso não causa qualquer estranheza. Benedict Wong, britânico de ascendência asiática, interpreta um endinheirado, pai de uma filha que não exibe o fenótipo oriental. Tampouco isso se transforma num ruído. Pelo contrário, pois faz parte da estilização delineada por Armando Iannucci, cujo maior equívoco parece ter sido querer condensar em 120 minutos o volume considerável de histórias contidas no calhamaço de origem. Isso se reflete no pouco tempo para as situações amadurecerem antes de dar vez às próximas (de teor similar), numa rapidez excessiva que faz grandes problemas se transformarem em pequenos obstáculos. Nessa tentativa de acentuar o humor e relegar a tragédia ao segundo plano, o cineasta repete desnecessariamente certas gags (como David batendo a cabeça na antiga casa para mostrar que ainda tem uma perspectiva infantil) e passa desembestado por quase tudo por ali.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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