Crítica
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Sinopse
Em um vilarejo da Sicília as movimentadas eleições para novo prefeito dividem opiniões na cidade e os nossos heróis Salvo e Valentino. Salvo apoia o antigo prefeito há anos no poder, Gaetano Patane, enquanto Valentino se põe ao lado de Pierpaolo Natoli, um professor disposto a mudar o funcionamento da cidade e apoiado por um pequeno grupo de ativistas.
Crítica
No começo, a rivalidade ideológico-política parece o mote de A Hora Oficial, longa-metragem dirigido pelos também protagonistas Salvatore Ficarra e Valentino Picone. Salvo (Ficarra) apoia a reeleição de Gaetano Patanè (Tony Sperandeo), prefeito fanfarrão, decalque fictício do ex-primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Já Valentino (Picone) faz campanha para o candidato de oposição, Pierpaolo Natoli (Vincenzo Amato), cujas ideias progressistas parecem bem recebidas pela população da pequena cidade siciliana. Logo ficamos sabendo que eles não apenas são sócios, mas também cunhados do aspirante ao executivo – um é casado com a irmã dele e o outro é irmão da falecida esposa de Natoli. A proximidade ensaia reforçar a dissonância de pensamento como o motor do filme. Aliás, dela decorrem momentos engraçados, como a demonstração nonsense da “situação”, com o cabo eleitoral espalhafatoso forçando a passagem numa viela, mesmo estando na contramão. Truculência dos bajuladores.
Todavia, com a maioria decidindo por mudanças, até mesmo Salvo vira a casaca, chegando ao cúmulo de subir ao palanque para saudar o candidato contra o qual antes se opusera ostensivamente. Os realizadores, em meio a uma construção completamente submetida aos ditames da comédia ligeira, de rápida assimilação, enfileiram situações que vão permitindo a guinada da trama a uma sátira mais mordaz. Cumprindo as promessas feitas ainda durante o pleito, Pierpaolo começa a promover uma verdadeira revolução no lugar, a começar por colocar novamente os servidores públicos para trabalhar e restaurar as multas, de trânsito e por desobediência de toda sorte de leis locais. A Hora Oficial, então, ajusta seu foco à reação indignada dos munícipes com as melhorias na cidade, transformações que deflagram a impunidade outrora predominante, as mamatas, as benfeitorias construídas à revelia do Estado, os benefícios dos achegados do governo, enfim, tudo permitido pela desonestidade.
Salvatore Ficarra e Valentino Picone escancaram a crítica à conduta das pessoas diante da possibilidade de ascensão. Cidadãos comuns ficam revoltados, por exemplo, com a prioridade aos pedestres em detrimento da circulação abundante de automóveis. Qualquer semelhança com a realidade, certamente, não é mera coincidência. A Hora Oficial se vale de um humor pouco sofisticado, geralmente oriundo das peripécias de Salvo para fazer as coisas voltarem ao caos de antes, ao tempo “saudoso” em que pagar impostos era uma raridade e portar-se com civilidade era simplesmente um conceito subordinado à vontade de cada um. Valentino fica meio apagado nesse percurso ácido que nem sempre transcende a esfera do efeito cômico mais raso. Contudo, ainda assim, há boas sacadas que cutucam antigas nódoas sociais, e, pelo que vimos ultimamente na realidade, longe de serem cicatrizadas enquanto a classe política não se tornar mais que um reflexo potencializado da ganância e da hipocrisia dos eleitores.
Salvatore Ficarra e Valentino Picone não primam pelas sutilezas nessa afronta ao comportamento dos contribuintes em polvorosa por conta das cobranças de impostos e multas que se avolumam. Espelhando uma reação infelizmente bastante comum hoje em dia, pois as pessoas parecem realmente dispostas a penhorar a dignidade desde que as decisões governamentais as beneficiem de alguma maneira, A Hora Oficial põe o dedo em diversas feridas, empilhando didaticamente as corrupções corriqueiras contra as quais as mentes prósperas precisam batalhar cotidianamente. Embora recorram, no mais das vezes, a um tipo humor passível de desgaste rápido, os cineastas conseguem expor com certa eficiência os vícios ocasionados pelas políticas calcadas em constantes trocas de favores, sendo, por esse viés, a máquina pública uma instância privilegiada a determinados grupos. Sobra espaço até para uma homenagem a O Poderoso Chefão (1972), com direito a táticas de intimidação à la Corleone.
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