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Crítica


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Sinopse

Dois jovens se encontram num sábado à noite para curtir e fugir dos problemas. Ao se distanciarem de Paris, eles adentram uma floresta que potencializa seus desejos.

Crítica

Dois jovens perambulam pela noite parisiense, distantes da efervescência dos cafés e das conversas intelectuais. A "diversão" é prenunciada pela viagem de trem, o que leva a compreender o francês Victor (Eliott Paquet) e seu amigo estrangeiro Rainer (Dominik Wojcik) como moradores do subúrbio. A conversa adiante com o valentão, nas cercanias da casa noturna, retoma esse recorte geográfico (não bem utilizado) que faz parte da síntese dos personagens. O desconhecido fala que conquistou seu ideal de vida ao comprar um carro, se achando no direito de rir da roupa aparentemente surrada dos protagonistas. Um deles responde agressivamente, do que decorre uma briga tosca. Mas, esse tipo de dinâmica aqui vale o quanto pesa pontualmente a disputa física, mesmo porque a cineasta Héléna Klotz não estabelece dialéticas de ordem sociopolítica. O jeito das pessoas se movimentarem, interagirem e se deslocarem ressalta a porosidade que nos leva às raias da fantasia. A Era Atômica é uma estranha fábula moderna focada numa juventude sem rumo.

De fato, pouco de concreto acontece no trânsito incessante noite adentro. Na festa, Victor é largado no meio de um beijo pela garota que privilegia a mensagem recebida no celular. Rainer está numa dança homoerótica em que faz questão de desdizer a probabilidade de ser gay, mesmo dando abertura ao rapaz que lhe deseja. A fotografia a cargo de Hélène Louvart – a mesma do brasileiro A Vida Invisível (2019) – distingue esse cortejo caracterizado pelo bailado desengonçado, isso enquanto sublinha a intensidade ligeiramente fabricada de um flerte que acaba com Victor estapeado após louvar romanticamente a beleza da adolescente sozinha. É imprescindível para que se instaure essa noção de conto próximo da irrealidade, cujo intuito seria desenhar a subjetividade dos envolvidos e projetá-la na paisagem externa, o aparente desinteresse da câmera em situar inequivocamente o espectador e, na mesma medida, de não aludir à França como um lugar turístico. Para tanto, a Torre Eiffel, quase onipresente nos filmes francófonos urbanos, aqui se traveste de farol simbólico.

A Era Atômica mostra um recorte juvenil paradoxalmente nostálgico, com gente afeita a signos antiquados, vide os protagonistas vestidos como punks anacrônicos. Alguns diálogos têm lógica poética, mas Héléna Klotz não consegue manter a narrativa interessante em boa parte do tempo. Levando em consideração que estamos falando de um filme com menos de uma hora (somados os créditos, ele extrapola os 60 minutos), é curioso que haja tantos e generosos vácuos nessa estratégia de tragar o espectador àquela sensação de deriva que atravessa os dois deambulantes. Porém, para além de uma bem-vinda oscilação expressiva entre som diegético (presente no universo ficcional onde se passa a ação) e os não diegéticos (rigorosamente o oposto, ou seja, aquele ao qual os personagens não têm acesso), a cineasta faz pouco para realmente instaurar uma atmosfera lírica a fim de reter atenções. O excesso de áreas dispersivas/reiterativas diminui bastante o impacto do longa-metragem, algo desfeito consideravelmente assim que a floresta surge como âmbito capaz de evidenciar a metáfora dali.

Rainer chega a falar a Victor que, caso fosse efetivamente gay, gostaria de trabalhar como marinheiro e nunca atracar nos portos, permanecendo nos barcos. Tendo em vista o nome, o estrangeirismo e a circunstância mencionada, podemos imaginar que se trata de uma referência ao falecido cineasta alemão Rainer Werner Fassbinder e à sua obra derradeira, Querelle (1982), justamente sobre um lobo do mar homossexual, mas que, ao contrário do menino, não se furta de desembarcar e vivenciar intensamente seus desejos. Por associação, o pensamento de Rainer seria o reforço do recalque de sua orientação sexual (que possivelmente lhe causa angústia). De certo momento em diante, fica evidente que A Era Atômica fala de um jovem tentando crescer dentro da lógica masculina estandardizada e outro, em semelhante agonia existencial, à procura de caminhos para manifestar seu querer. Héléna Klotz trabalhe tudo na esfera do estritamente subentendido, contudo sem a capacidade de transformar as entrelinhas em espaços propícios para consolidar dramaticamente os efeitos colaterais, tanto os do represamento quanto os da mimese sem autenticidade. Assim, o filme se torna vago, naufragando por inércia em momentos-chave, desperdiçando esses marujos figurativos sem eira nem beira.

 

Filme visto online na edição comemorativa do Festival de Balneário Camboriú, em abril de 2021.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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