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Sinopse

Um homem determinado a dominar completamente uma técnica para trapacear no jogo.

Crítica

Quem é Henry Sugar? E por qual razão sua história é tão... incrível? Talvez esse Henrique Açúcar, num bom português, seja ninguém menos do que o próprio diretor Wes Anderson, que após uma jornada de quase três décadas (sua estreia foi com o curta Bottle Rocket, em 1994) e onze longas-metragens (que lhe renderam sete indicações ao Oscar, além de troféus nos festivais de Berlim, Annecy, SXSW e Veneza, dentre tantos outros), não necessariamente retoma, mas faz agora sua maior investida num formato mais enxuto e direto. Não chega a ser uma volta pois, nesse tempo, nunca chegou a abandonar seu espírito de curta-metragista: realizou cerca de uma dezena de investidas em tamanho reduzido ao longo de todos estes anos. Porém, se muitos destes trabalhos serviam quase como um complemento a uma trama estendida – como Hotel Chevalier (2007), que explorava uma personagem apenas citada em Viagem a Darjeeling (2007), ou Animated Book Short (2012) e Cousin Ben Troop (2012) ambos feitos na esteira de Moonrise Kingdom (2012) – dessa vez o projeto foi desde o início pensado como quatro histórias independentes, porém interligadas em alguns aspectos. Servem, portanto, como filmes isolados, mas também como uma história em capítulos. Mais um toque de genialidade de Anderson, que usou de sua perspicácia para fazer de A Incrível História de Henry Sugar o passo inicial desse mergulho não apenas nas criações de Roald Dahl, mas também no seu olhar próprio e por demais particular.

Dahl, para quem não ligou o nome à pessoa, foi responsável por ter criado personagens que fazem parte do imaginário fantástico de muita gente ao redor do mundo, tendo gerado sucessos como A Fantástica Fábrica de Chocolate (1971), Convenção das Bruxas (1990) e Matilda (1996) – além de todas as releituras que vieram depois – entre tantos outros. O próprio Anderson já havia se aproximado do escritor em sua primeira animação, O Fantástico Senhor Raposo (2009), também uma adaptação de sua obra. Porém, a tarefa que assume quase quinze anos após esse contato original é mais hercúlea: levar às telas quatro histórias, de modo praticamente simultâneo. Henry Sugar, portanto, é seguido por O Cisne (2023), O Caçador de Ratos (2023) e Veneno (2023), todos com pouco mais de 15 minutos de duração cada, enquanto que este que abre a tetralogia se estende por cerca de o dobro de tempo. Ao todo, portanto, compreendem um longa de pouco menos do que 90 minutos, o que é bastante razoável. Não causará espanto se, futuramente, estes quatro filmes não sejam vistos assim, como uma única experiência.

E isso não apenas por compartilharem do mesmo elenco – Ralph Fiennes surge como alter-ego do autor, enquanto que Benedict Cumberbatch, Dev Patel, Ben Kingsley, Rupert Friend e Richard Ayoade se revezam em diferentes personagens – mas de serem filmados sob diretrizes rígidas, características presentes também nos demais exercícios do diretor. Uma delas é a narração, que a muitos pode incomodar, mas aqui é executada de forma precisa. Esse é um recurso que geralmente é empregado como muleta, por quem não sabe ao certo como alcançar o que almeja. No entanto, quando nas mãos de alguém que domina o potencial – como Martin Scorsese ou Jorge Furtado, por exemplo – os resultados podem ser impressionantes. Wes Anderson é outro que se mostra digno deste time. Tanto Henry Sugar (Cumberbatch, que nasceu para integrar o seleto grupo de favoritos do realizador, desde as feições físicas que oferece como os desdobramentos dramáticos que impregna sua composição) quanto os demais tipos a ganhar o centro das atenções (o Dahl resignado de Fiennes, o ‘homem que enxerga sem os olhos’ que age sem espanto diante do inimaginável de Kingsley, até mesmo o médico investigador vivido por Patel) se direcionam diretamente à câmera para proferirem tanto seus supostos diálogos, como também os textos que expressam seus movimentos e sensações.

Anderson, portanto, através de um simples gesto, passa a conversar diretamente com o espectador. Assim como diminui o espectro do desenrolar dos acontecimentos, também limita o alcance do discurso, fazendo desse um troca mais singela, tão única a ponto de se confirmar insubstituível. Outros elementos, como os cenários milimetricamente calculados, os enquadramentos pensados à exaustão e uma paleta de cores muito pessoal, também servem para agregar à experiência um caráter de sonho e transformação. A Incrível História de Henry Sugar é sobre um homem e seu legado, aquele que da decepção realizou o que ninguém mais pensava ser possível, do que foi motivado pela dúvida e viu a chance de uma vida lhe escapar pelos dedos, ou mesmo sobre o indivíduo que, uma vez certo que tudo lhe era possível, a esse mesmo manancial renunciou, pois qual a graça de obter aquilo que sabe ser seu sem esforço ou dificuldade? Como uma boneca russa, eis um mistério por dentro do outro, que também revela como esconde. Por outro lado, é também a radicalização de um cineasta de visão única e apuro extremo, disposto a abrir mão daquilo que lhe deveria ser mais caro – a audiência, afinal, o faz para si, e não para os outros – em nome de uma fidelidade artística capaz de transcender imposições prévias. Eis, enfim, Wes Anderson em sua mais pura forma e expressão. Goste ou não do resultado, pois, afinal, esse é o preço do verdadeiro artista: se curvar à obra, e não aos aplausos – ou provocações.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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