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Sinopse

Quase na virada para os anos 1800, crimes macabros chacoalham o pequeno vilarejo de Sleepy Hollow. Os moradores convocam o excêntrico detetive nova-iorquino Ichabod Crane para ver se ele consegue desvendar o caso.

Crítica

Às vésperas do século 19, Ichabod Crane (Johnny Depp) sofre para inserir seus métodos dedutivos nas investigações policiais. Ele é um homem da razão, acredita em fatos, evidências, provas materiais, algo distante do arcaísmo das condenações fundamentadas muitas vezes em achismos e superficialidades. De Nova Iorque, o jovem é mandado à pequena Sleepy Hollow, cidade pacata onde uma série de assassinatos é atribuída ao espirito colérico de um cavaleiro sem cabeça. Tim Burton, o diretor desta adaptação do conto The Legend of Sleepy Hollow, de Washington Irving, presta tributo ao clássico cinema norte-americano de horror. A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça mimetiza a atmosfera, não só o estilo visual, da qual os filmes se valiam para incitar medo nas plateias antes que as mesmas ficassem céticas demais e suscetíveis de menos a determinados truques. É uma declaração de carinho e saudosismo.

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Enquanto os habitantes acreditam piamente na responsabilidade do sobrenatural pelo sangue que escorre nos caminhos ladeados de árvores fantasmagóricas, Ichabod começa a perceber certo alvoroço entre os próceres locais. Segredos partilhados entre poucos, cochichos e olhares enviesados nos levam a crer, em consonância com a percepção do protagonista, que nem tudo foi posto ainda à mesa, que determinados jogadores guardam na manga algo que lhes dá vantagem. Essa teia só é eficiente por conta da inteligência do roteiro de Kevin Yagher e Andrew Kevin Walker, que joga constantemente com as aparências. Há vários avisos, de ordens diferentes, para que não nos detenhamos demasiado na superfície. A função do brinquedo manuseado com frequência por Ichabod é justamente sugerir que estamos envoltos numa bruma, ignorantes quanto às reais motivações dos ataques.

Em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, Tim Burton faz da dúvida os porquês. A trilha sonora de Danny Elfman e a fotografia de Emmanuel Lubezki são artifícios imprescindíveis tanto à edificação quanto à manutenção do clima de terror. Os pesadelos do personagem de Johnny Depp servem de reconexão com um mundo que ele renegou em virtude de traumas do passado. Seu envolvimento com a enigmática Katrina (Christina Ricci) não passa de distrativo, algo que está ali tão e somente para criar uma base de apego sentimental com a localidade. Mais adiante, esse amor, que no mais das vezes não se impõe como verdadeiramente significante, serve de motivação para rompantes de heroísmo, aí sim fazendo jus à sua existência. Numa paisagem nebulosa e cada vez mais fechada, Tim Burton constrói seu conto macabro, ancorado na vingança bem como no idealismo de quem mira o futuro.

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O cavaleiro sem cabeça que galopa pelos bosques de Sleepy Hollow, saciando sua sede de sangue ao decapitar as vítimas, é em princípio inatingível, pois um adversário a quem não se pode combater com as armas habituais. A suspeita sobre a natureza dessa ameaça – se verdadeiramente sobre-humana ou fruto de um embuste para colocar a cidade sob o jugo do medo – adiciona intriga ao terror que Burton tão bem sabe moldar e modular. Ora suspense, ora filme de horror, A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, contrapõe razão e fé sem fazer desse embate uma obsessão ou sua única razão de ser. A bíblia e os livros de magia podem conter alienação ou verdade, assim como os instrumentos de precisão não necessariamente são precisos. Burton evidencia as possibilidades da ciência, contudo sem duvidar das bruxas.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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