Crítica
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Sinopse
Em A Libertação, em busca de um recomeço, a mãe solo Ebony Jackson muda para uma casa nova com sua família. Mas algo sinistro já vive lá.
Crítica
Ao longo de sua carreira, o cineasta Lee Daniels vem prestando desserviços ao melodrama. Esse subgênero marcado por emoções à flor da pele e conflitos avassaladores, aos quais o público tende a reagir imediatamente, é estigmatizado como se fosse algo de menor importância e qualidade. No entanto, o melodrama é uma forma poderosa para construir cenários dramáticos complexos e dotados de alta capacidade de comunicação. Claro, quando é bem feito. Desde Preciosa: Uma História de Esperança (2009), filme que o catapultou ao estrelato, Daniels vem conduzindo histórias em que o melodrama ganha contornos estereotipados, principalmente pela maneira como o utiliza para simplificar as tramas e frequentemente chantagear as emoções do espectador. Em A Libertação o cineasta apresenta uma novidade nessa sua trajetória repleta de tentativas malsucedidas: a mistura de melodrama e horror. E o resultado disso poderia ser muito interessante, desde que Daniels não insistisse em seus cacoetes. Aqui o mal existe somente para a conversão da personagem errática em uma arrependida (e determinada) serva de Deus. Sim, o longa-metragem lançado no Brasil diretamente na Netflix é aquele tipo de terror-evangelista, dos que propõem o enfrentamento do Diabo como uma maneira de comprovar a existência de Deus. De acordo com as cartelas iniciais, desta vez temos um enredo ficcional baseado em fatos.
Tudo começa com uma das premissas mais reproduzidas no cinema de horror: a família se mudando para uma nova casa que, rapidamente, descobrimos ser assombrada pelo maligno. A protagonista é Ebony (Andra Day), mulher que vive às turras com os três filhos e sua mãe Alberta (Glenn Close). Deixada pelo marido alistado no exército (atualmente servindo no Iraque), ela tem ataques constantes de fúria e nem de longe poderia ser encaixada numa ideia de parentalidade responsável. Aliás, Ebony frequentemente é cobrada por seus pecados do passado, sobretudo lembrada pela mãe dos antigos rompantes de agressividade depois de bebedeiras homéricas, por exemplo. Lee Daniels aborda a personagem a partir do estereótipo da mulher negra raivosa, vide a quase incapacidade de Ebony de ter momentos de quietude, paz e prazer. Ela está sempre em pé de guerra com o mundo, fazendo questão de demonstrar a sua irascibilidade sem qualquer nuance. O roteiro assinado por David Coggeshall e Elijah Bynum solta algumas migalhas que poderiam “explicar” esse comportamento, vide os diálogos sobre a criação traumática, mas na maioria das vezes insiste tanto na instabilidade emocional de Ebony que a deixa à mercê desse clichê deturpador do imaginário geral. Ainda sobre a simplificação antes mencionada, a conexão entre ações e suas respectivas consequências reforça a apropriação do melodrama como uma moldura que abrevia as circunstâncias em prol de uma assimilação mais direta e determinista.
Esse esquematismo próprio da direção de Daniels (que obviamente não precisa ser um sintoma do melodrama) é facilmente identificado. Ebony faz uma bobagem, vê os filhos impactados por suas ações e imediatamente atribui à mãe doente o sofrimento generalizado transmitido como herança. Em vários instantes de A Libertação, essa triangulação logo esgotada como recurso é reiterada para “explicar” o clima pesaroso na residência que carrega histórias de tragédias ocasionadas por um demônio obsessor. Os sentimentos são tratados como peças de um quebra-cabeça artificialmente encaixadas, ao ponto de sobrar pouco espaço para o espectador se conectar aos personagens. Em outro momento, Alberta flerta com o enfermeiro que a acompanha nas sessões de quimioterapia, sendo vista com desdém pelas mulheres na poltrona ao lado. E isso não é utilizado para propor um cenário em que a religiosidade da recém-convertida não é suficiente para amenizar certos vícios de sua personalidade pregressa, ou seja, como algo que diga respeito a ela como indivíduo. Não. Pois Daniels privilegia a ideia de uma genealogia do sofrimento familiar, assim observando moralmente a sedução da idosa como algo que ajuda a “explicar” a errância da filha que não para de gritar e incomodar os filhos. Voltando a falar de Ebony, a pressão exercida pelas contas atrasadas apenas atesta o (mau) gosto que Daniels tem pela exposição das angústias humanas, novamente, como pretextos simplórios para alguns dos comportamentos desviantes. Daniels utiliza as dores como um meio, nunca como fim.
É somente no último terço do filme que o horror se manifesta para além do mal espreitando a estereotipada família disfuncional. Não há qualquer nuance no embate entre os pecadores tementes a Deus e os vorazes enviados do Satanás. Assim como era uma matriarca pouco exemplar antes de ser apresentada às evidências do sobrenatural, Ebony se transforma na típica mãe-coragem disposta a encarar o Diabo se isso salvar os filhos. No entanto, Daniels não consegue transformar a mudança em algo crível e muito menos heroico, pois tem uma intenção incógnita com a inserção do horror nessa equação cheia de providências: utilizar o mal para afirmar que o bem maior existe e é mais poderoso. Não à toa, a vitória sobre um espírito maligno apenas acontece quando a protagonista perseguida por demônios psicológicos e emocionais profere a plenos pulmões que aceitou Deus, que clama por seus poderes para vencer a batalha. Quando o horror ganha proeminência no filme, o melodrama passa a ser uma nota de rodapé, vide as pessoas morrendo sem consequências para os sobreviventes e adolescentes/criança com pouca subjetividade sendo brutalizados pelo capeta, estritamente, para a mãe deles se converter a um evangelismo milagroso. Aliás, isto resume o filme: pessoas vulneráveis torturadas pelo demônio até a protagonista virar crente. Trata-se do capiroto funcionando como agente de Deus.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
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Marcelo Müller | 3 |
Alysson Oliveira | 2 |
Alex Gonçalves | 6 |
MÉDIA | 2.7 |
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