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Crítica


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Sinopse

Depois que um professor tenta estuprá-la, Moremi, brilhante universitária nigeriana, decide reportar o episódio de violência e lutar por justiça.

Crítica

À luz dos resultados vergonhosos do processo sobre o factual estupro sofrido por Mariana Ferrer, com advogados humilhando a vítima e inocentando o réu André de Camargo Aranha – apesar de provas e indícios –, A Lição de Moremi apresenta um caso ficcional em que a vítima também é desacreditada por ser mulher. Portanto, a comunicação com uma realidade infelizmente recorrente e sintomática acontece. Moremi (Temi Otedola) é apresentada já em meio ao processo disciplinar que investiga se procede a sua acusação contra Lucien N’Dyare (Jimmy Jean-Louis), sujeito respeitado mundialmente pela atuação como docente e tutor. No fim das contas, se trata de um filme de tribunal, com todos os elementos que consagraram esse filão cinematográfico potente, obviamente, quando suas engrenagens são bem desenvolvidas. Infelizmente não é o caso aqui, especialmente em virtude da abordagem displicente e da crescente frouxidão no entrelaçamento das peças de um quebra-cabeça montado para não deixar dúvidas. O espectador tem ciência do acontecido, sabe exatamente de que lado ficar diante do embate de versões, sobretudo porque os flashbacks são explicativos.

A causa defendida por A Lição de Moremi é nobilíssima. A luta da protagonista é um exemplo de boa parte dos contratempos sofridos pelas mulheres na sociedade contemporânea. Aluna prodigiosa, capaz de questionar veementemente as teses do sujeito internacionalmente aclamado, Moremi logo vira alvo desse homem que esconde um comportamento predatório sob a fina camada de cordialidade e ética. Para fazer essas denúncias, o cineasta Kunle Afolayan percorre um caminho repleto de etapas bastante claras, mais preocupado em cumpri-las do que necessariamente empenhado em apresenta-las com a devida força dramática. A estudante desenvolve uma relação de confiança com N’Dyare, reage com surpresa aos primeiros avanços impróprios e demonstra resiliência antes da tentativa de estupro. Porém, diversas potencialidades são arremessadas negligentemente ao longo da trama, como a resposta do campus, que a coloca enquanto pária durante o julgamento. Em nenhum momento há um desejo de compreender a inversão como outro sinal de um machismo tão enraizado quanto pernicioso. É uma mera informação introduzida sem densidade ou firmeza.

Há mais evidências da fragilidade cinematográfica desse filme apenas valoroso como portador de uma mensagem. Logo no início, há um caso, utilizado como preâmbulo/precedente. Entretanto, é frustrante como se dá uma alteração involuntária do lugar de vítima pelo modo absolutamente desajeitado com o qual Kunle Afolayan encena a emboscada preparada pela aluna a fim de desmascarar o professor abusador. Isso acontece não porque o resultado é a morte acidental do emérito pego em flagrante, mas porque a predecessora da protagonista é observada levianamente, como alguém cuja prioridade é filmar a ação dos protetores (justiceiros?) para além da reparação de algo a ser denunciado e punido. No fim das contas, o tom da sequência acentua o drama do assediador. Com isso, corre-se o risco de bagunçar o diagnóstico nesse contexto. Já quanto à estrutura, os flashbacks, além de meramente ilustrativos, estão ali apenas para contradizer as mentiras de N’Dyare de modo grosseiro, sem nenhuma sutileza. Se no depoimento ele menciona ter ouvido palavras inapropriadas dela, a cena subsequente mostrará o contrário. E assim por diante, sem variações.

A Lição de Moremi também sofre por conta do ritmo quebrado por ocorrências praticamente sem importância, vide a cena do aniversário seguido de um show, ou dos períodos alongados em que pouco (ou quase nada) efetivamente acontece, vide o intercâmbio acadêmico no Senegal. Mesmo os diálogos em torno da matéria estudada (crises globais, política, social e economicamente falando), que poderiam ser utilizados como elementos simbólicos da retórica gerada em torno do conflito que se torna a espinha dorsal ao filme, acabam adquirindo status distrativo. A montagem paralela do instante-chave ao julgamento e da prova da faixa preta do namorado faria sentido como equivalência se este personagem bastante secundário não tivesse sido praticamente limado da história um bom tempo antes. Carente de afinamento, a produção nigeriana conta com figurinos exuberantes, mas passa batida por complexidades imprescindíveis ao entendimento profundo das questões postas e de seus desdobramentos, tais como a luta da jovem Moremi servindo de exemplo. Falta espessura ao diagnóstico dos incômodos e das impossibilidades. Sobram espaços a ruídos e mal entendidos.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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