Crítica
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Sinopse
O que nos define como normais? Um olhar sobre os corredores e grades de um hospital psiquiátrico, buscando histórias que revelem as fronteiras do que é considerado loucura. Através, principalmente, de personagens femininas, exalando as contradições da razão, nos fazendo refletir sobre nossos próprios conflitos e desejos.
Crítica
Os caminhos pelos quais a narrativa do documentário A Loucura entre Nós percorre são tão impressionantes, que até mesmo a cineasta Fernanda Vareille não tinha como prever o que aconteceria às suas personagens. Filmando durante três anos dentro do Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, em Salvador, a diretora capturou um retrato intenso a respeito da linha tênue que separa a sanidade da doença mental. Para tanto, duas mulheres de origens e vivências totalmente distintas nos são apresentadas, além de termos contato com depoimentos de outros internos daquele hospital, colocando assim em cheque qualquer conceito pré-concebido a respeito da dita “normalidade”.
Baseado livremente no livro homônimo escrito pelo médico psiquiatra Marcelo Veras, A Loucura entre Nós inicia como um documentário padrão, nos mostrando a instituição que será abrigo da produção e os internos que lá habitam. O primeiro ato é mais voltado para o cotidiano daquele local, mostrando também o trabalho da ONG Criamundo, que tinha suas atividades dentro dos portões daquele hospital e tem como objetivo recolocar pacientes com problemas psiquiátricos no mercado de trabalho. O filme ganha real força quando a narrativa passa a destacar as duas personagens mais impressionantes desta história: Leonor e Elisângela.
Elisângela nos é apresentada aos gritos. Visivelmente transtornada, clamando por trabalho e por dignidade, é internada no hospital onde já havia estado em um passado não muito distante. Medicada e com seu caso acompanhado de perto, apresenta melhora no decorrer de sua trajetória. Leonor, por outro lado, quando surge na tela, parece ser uma das cabeças da ONG. É ela quem serve como cicerone do local, mostrando algumas das realidades do hospital e de seus pacientes. No entanto, com o andar da história, começamos a perceber que existe algo a incomodando. Alguns surtos, alguns momentos de profunda tristeza, outros de euforia. Leonor pode ter mais em comum com Elisângela do que podíamos prever de início. O destino das duas se conecta e bifurca, nos mostrando uma impressionante inversão de papéis.
O documentário de Fernanda Vareille é ímpar por apresentar estas histórias de forma muito sensível, dando visibilidade a personagens até então escondidos, esquecidos. Além das duas “protagonistas”, temos contato com outros internos que tem muito a dizer, mas que simplesmente não são ouvidos por causa de sua condição psiquiátrica. Por dar voz a estas pessoas, A Loucura entre Nós já seria um filme de validade incontestável. Mas o documentário ainda faz mais. Com sua narrativa instigante, mostra o retrato do descaso, mas não de forma piegas ou repleta de coitadismos. Consegue incluir até um pouco de humor, mas de forma muito bem trabalhada, sem expor nenhum dos internos.
A presença da câmera naquele local é curiosa e diversos internos a abraçam com intensidade. Alguns pedem para serem filmados, outros tentam permanecer sempre em foco, inclusive empurrando qualquer pessoa que possa estar estragando o seu enquadramento. Com momentos de pura poesia – a cena com a canção “Lágrimas Negras”, cantada por Gal Costa, é agridoce e intensa – A Loucura entre Nós é um documentário de rara sensibilidade, tocando em um assunto que, para muitos, é motivo de vergonha ou de descaso, mostrando o quanto é necessário tocar neste tema. O filme até pode demorar a deslanchar, mas quando o faz, é intenso e verdadeiramente impressionante.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Rodrigo de Oliveira | 8 |
Bianca Zasso | 6 |
MÉDIA | 7 |
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