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Sinopse

Depois do mundo ser atingido por uma pandemia, um pai vive recluso na floresta com a filha adolescente. Eles são muito ligados e o homem precisa lutar para proteger a menina depois que um estranho aparece.

Crítica

Casey Affleck estreou na direção há alguns anos com o falso – e polêmico – documentário Eu Ainda Estou Aqui (2010), estrelado por Joaquim Phoenix e cercado por histórias mal explicadas de assédio sexual e comportamentos abusivos nos bastidores. Quase uma década depois, um Oscar na estante – conquistado merecidamente por seu arrebatador desempenho em Manchester à Beira-Mar (2016) – e alguns prováveis conselhos do seu irmão mais velho, Ben – este, vencedor de duas estatuetas da Academia (uma como roteirista e outra como produtor) – devem tê-lo ajudá-lo a colocar sua carreira sob outra perspectiva. Assim chega-se a este A Luz no Fim do Mundo, seu segundo trabalho como realizador, agora também aparecendo em frente às câmeras. E o resultado não poderia ser mais auspicioso, ainda que opte por trilhar por caminhos mais seguros – e controlados.

Pra começar, o elenco é bastante reduzido: na maior parte do tempo, estão apenas dois personagens em cena. São eles Rag (a revelação Anna Pniowsky, que havia aparecido antes no thriller Ele Está Lá Fora, 2018) e o Pai (o próprio Casey). Os dois estão sozinhos por um motivo bastante simples: neste cenário pós-apocalíptico, o mundo tal qual se conhecia não mais existe. E isso se deve à disseminação de um vírus mortal que tinha como principal particularidade afetar apenas às mulheres. Portanto, numa realidade em que somente homens existem, a simples presença de uma única representante do sexo feminino – a jovem filha tem cerca de dez anos, e nasceu logo nos meses iniciais da crise e possui uma imunidade inexplicável – é um problema e tanto com o qual lidar. Mas este homem está determinado a fazer de tudo a seu alcance para garantir a segurança da menina. Até forçá-la a esquecer sua natural feminilidade.

Na cena que abre A Luz no Fim do Mundo, pai e filha estão no meio de um bosque, acampados e prestes a dormir. A garota pede por atenção, e ele passa a contar uma mal disfarçada versão da narrativa bíblica da Arca de Noé. O público, de imediato, é colocado diante da parábola que afirma que, às vias do colapso, somente um par formado por um homem e uma mulher, um macho e uma fêmea, é que poderá garantir a continuidade da vida. Ali estão eles, no entanto, tendo que se virar em um contexto não muito distante da fantasia religiosa, porém envoltos por mais selvageria e insegurança. As poucas pessoas que cruzam pelo caminho deles contam relatos de zonas supostamente seguras, ao mesmo tempo em que outros dão indícios de que, nesta realidade, não há mais espaço para uma igualdade sexual: as poucas mulheres que sobraram agora vivem confinadas, tal como gado, existindo única e exclusivamente para servir aos homens. Será esse o destino de Rag?

Filmes sobre o apocalipse e suas mais variadas formas existem aos borbotões. A Luz no Fim do Mundo guarda evidentes similaridades com títulos como Filhos da Esperança (2006) – pelo paralelismo a respeito da continuidade da criação – e A Estrada (2009) – pela dupla de protagonistas, mais uma vez formada por um adulto e uma criança. Estes talvez sejam os mais próximos, mas ainda assim conseguem se diferenciar pelo esforço que o diretor (e também roteirista) revela ao privilegiar as relações humanas (tanto entre pai e filha como destes com os demais que encontram), sem se preocupar muito com explicações políticas e/ou científicas (afinal, no ponto em que estão, é preciso concordar que tais caminhos pouco interessariam). Essa é uma mudança de ponto de vista que agrega um suave frescor a uma trama que poderia soar batida, mas acaba por conquistar tanto pelos bons desempenhos como pela condução segura, que sabe bem onde quer chegar, sem se deixar distrair por rotas alternativas.

Bom cineasta e ainda melhor intérprete, Casey Affleck segura com tranquilidade o fato de contar pela maior parte do filme apenas com uma menina como parceira de cena, ainda mais uma que está recém no seu segundo longa-metragem. Dos momentos em que estão sozinhos a outros em que precisam interagir com desconhecidos, sejam agressores, curiosos ou apenas resistentes, tanto quanto os dois, a dupla revela forte sintonia. Disfarçada de menino pela maior parte da história, Rag tanto está em busca de uma identidade em um mundo que não lhe oferece espaço como também anseia por superar tudo aquilo. Obediência com rebeldia, no ambiente mais controlado possível. Em A Luz do Fim do Mundo, mais importante do que o caos é o afeto e calor humano (ou falta deles). Se tudo desaparece, é a humanidade a última fronteira a ser derrubada. Sem ela, nada mais importa. Afinal, em tempos de paz é fácil ser respeitoso e cordato. Como cada um se comporta quando as amarras da sociedade desaparecem, no entanto, é que faz toda a diferença. Essa é a discussão que importa, e o recado está mais do que dado.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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