Crítica
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Sinopse
Novamente sedento de sangue, o fantasma da Rainha de Espadas persegue alunos de um internato. Os adolescentes, que se divertem com as histórias sombrias sobre o prédio da instituição, encontram um espelho misteriosamente coberto de desenhos que escondem um terrível segredo.
Crítica
Muito mais surpreendente do que as aparições sobrenaturais deste filme é a própria configuração com que ele se apresenta ao espectador no circuito brasileiro. A produção russa A Maldição do Espelho (2019) constitui a sequência de A Dama do Espelho: O Ritual das Trevas (2015), que nunca chegou aos nossos cinemas. O mercado exibidor recebe apenas o segundo segmento de uma franquia russa, cujas únicas cópias disponíveis em sala consistem na legendagem de uma versão dublada. Isso significa que o filme está ao mesmo tempo dublado e legendado: o som original russo foi dublado em inglês, e depois legendado em português. É estranhíssimo ver adolescentes lendo páginas da Internet em russo, atendendo celulares com palavras russas enquanto as vozes chamam “Kirill”, “Olga” e demais personagens com forte sotaque norte-americano. Para um gênero tão dependente da imersão quanto o terror, este projeto causa estranhamento (e, portanto, distanciamento) desde as primeiras imagens.
A trama corresponde a um amontoado do imaginário clássico de bruxas, casas mal-assombradas, espíritos malignos e bonecas demoníacas. Os protagonistas órfãos são enviados a um internato com evidente vocação para mansão possuída por fantasmas – onde já se viu uma instituição de ensino com cômodos tão escuros, mesmo durante o dia? Ao passarem pelo primeiro espelho, uma figura maligna aguarda os irmãos no fundo do corredor. O garotinho traumatizado encontrará reconforto na figura de um boneco de aparência visivelmente sombria, mas que não lhe provoca espantos por algum motivo. A entidade da Rainha de Espadas é convocada após se repetir seu nome três vezes, tal qual Beetlejuice e tantos outros; seu figurino relembra a Chorona e outras mães vingativas; a capacidade de se adequar ao medo específico de cada vítima a aproxima de Pennywise e outras figuras polimorfas. Pela invisibilidade a olho nu, ainda que apareça em câmeras e reflexos, lembra os fantasmas exibicionistas de Atividade Paranormal (2017). É difícil notar algum elemento que não soe copiado de filmes de terror mais marcantes.
O desenvolvimento se destaca pelo exagero das passagens obrigatórias do terror, sublinhadas até o limite do absurdo. Os personagens da escola são reduzidos a tipos específicos: a garota gorda, a garota sexy, o tipo atlético e malicioso, o nerd que só pensa em estudar. A protagonista Olga (Angelina Strechina) é uma adolescente rebelde (afinal, ela usa dreads), enquanto o irmão menor Artyom (Daniil Izotov) representa o garotinho angelical (ele possui cabelos cacheados e grandes olhos pidões). Na ausência da mãe, caberá à garota mais velha superar suas dores e resgatar o instinto materno para acolher o pequeno traumatizado. Seria possível problematizar a obrigação de enxergar em cada mulher uma mãe em potencial, mas passemos – há questões muito mais graves neste filme do que sua ausência de sentido ou seu descaso com a lógica. Por mais tentador que seja apontar as falhas narrativas, elas não constituem o foco do roteiro de Maria Ogneva, visivelmente mais preocupada na criação de climas sombrios e sustos múltiplos.
Ora, é justamente na construção imagética que A Maldição do Espelho se enfraquece por completo. O magro cardápio cinematográfico se leva muitíssimo a sério, sem suspeitar (ou sem querer aceitar) a fraqueza evidente de seus personagens, cenários e conflitos. A cada descoberta de um porão cheio de objetos que rangem, florestas sinistras com vultos ameaçadores ou lagos mortais onde pessoas são afogadas, o diretor Aleksandr Domogarov acredita estar construindo um opus ao medo no cinema. Mesmo grandes produções hollywoodianas, dotadas de recursos consideráveis e excelentes profissionais, têm introduzido certa dose de humor para equilibrar o tom da experiência cinematográfica e sugerir a artificialidade evidente daquele universo – vide os últimos Invocação do Mal (2013, 2016) e A Maldição da Chorona (2019). Quando assume seus truques, o cinema de reciclagem soa mais humilde, e portanto, mais sincero com seu espectador. “Sim, esta é apenas uma brincadeira com os seus sentidos, mas por favor, embarque conosco”, propõem os filmes americanos, enquanto o equivalente russo conduz suas cenas artificiais com a seriedade de quem acredita criá-las pela primeira vez. Um mínimo grau de autoconsciência seria fundamental ao projeto.
Resta uma jornada de indícios mal trabalhados, e que seriam importantes para a produção do medo. Repete-se que a Rainha de Espadas é careca, mas este fator não possui qualquer importância na trama; ela corta pedaços de cabelo de suas vítimas sem motivo aparente; ela possui poderes imensos, porém suspensos mediante uma simples retirada do pedido por parte das vítimas. Enquanto isso, os adolescentes não se importam muito uns com os outros; a subtrama da reitora malvada guardando segredos jamais avança; e o pobre Artyom se limita a um garotinho gritando e causando problemas à irmã, cena após cena. O final sugere a possibilidade de uma nova sequência, como convém a qualquer filme de terror com autoconfiança em excesso. A presença de bruxas tristes e espelhos-portais aproxima o resultado da fábula infantil, registro dentro do qual estes elementos seriam bem aproveitados. A utilização da Rainha de Espadas enquanto metáfora do luto ou dos desejos adolescentes – ela aparece para castrá-los e controlar seus corpos – também seria digna de interesse. No entanto, o diretor prefere a imagem genérica da figura feminina (sempre feminina, diga-se de passagem) histérica e perigosa, obsessiva e profundamente materna, do tipo que o cinema do século XXI precisaria urgentemente abandonar.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Bruno Carmelo | 1 |
Francisco Carbone | 2 |
MÉDIA | 1.5 |
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