Crítica
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Sinopse
Fabietto é um jovem que, como quase todos de sua idade, está num processo de gradual amadurecimento. Ele vive na cidade de Nápoles, na Itália, e precisa lidar com as complexidades inerentes à família, perdas e aos sonhos.
Crítica
O cineasta Federico Fellini se tornou merecidamente um paradigma italiano. Depois de acompanhar o nascimento do Neorrealismo que colocou o cinema nos trilhos da modernidade, ele construiu uma das mais autorais e formidáveis carreiras da Sétima Arte. Inventivo, particularmente nostálgico, criativo e provocador cortante são alguns dos adjetivos que podemos atribuir tranquilamente a Federico – que, como todo gigante, faz sombra. Uma das suas obras mais celebradas, Amarcord (1973), virou uma referência quase incontornável sempre que um(a) cineasta vai buscar personagens, causos, circunstâncias e outras inspirações na sua infância/juventude. O também italiano Paolo Sorrentino nunca escondeu a sua admiração por esse ilustre que o precedeu, tanto que fez de seu melhor filme até aqui, A Grande Beleza (2013), uma espécie de homenagem à obra-prima A Doce Vida (1960) – ambos se passam no ambiente emocional e moralmente estéril da burguesia romana. Com A Mão de Deus, podemos dizer que Sorrentino foi beber novamente numa fonte felliniana, desta vez justamente na de Amarcord, para contar (e brincar com) as histórias de sua adolescência. Ele se debruça especificamente naquele momento em que foi convocado a abandonar a juventude e entrar de cabeça nas complexidades da vida adulta. Fabietto (Filippo Scotti) é o alterego de Sorrentino e não à toa o nome de Fellini é citado em vários instantes do longa-metragem que acrescenta nostalgia à relação de paixão entre a cidade de Nápoles e o futebolista argentino Maradona. É como se, repentinamente, o litoral virasse o centro do mundo.
Paolo Sorrentino demonstra um afeto enorme pelos personagens que compõem a família do protagonista – provavelmente equivalentes a pessoas que de fato existiram. Fabietto tem dois irmãos: um deseja ser ator de cinema e a outra nunca é vista, pois sempre está no banheiro. Temos apenas a voz dessa menina, ora reclamando, ora dizendo que está prestes a sair (e nunca sai). Já os pais dessa trinca são figuras adoráveis. Saverio (Toni Servillo) e Maria (Teresa Saponangelo) trocam assovios como sinal de amor e não são parecidos com os patriarcas e as matriarcas autoritários tão frequentes no cinema italiano. Ela tem o costume impagável de pregar peças nos outros, o que garante as sequências mais engraçadas do filme. Aos poucos, A Mão de Deus vai se abrindo para que vejamos os demais membros da família. E é impagável o almoço em que todos se reúnem para conhecer o namorado de uma das tias de Fabietto, com direito à velha rabugenta provocada a dizer palavrões; aos primos enxeridos; às cunhadas desbocadas; e a um sarcasmo tipicamente napolitano no trato afetuoso com os parentes queridos. No meio de tanta gente, Fabietto tem olhos diferentes para a tia Patrízia (Luisa Ranieri), mulher voluptuosa que esconde um sofrimento intenso por não conseguir engravidar. Se atualmente as mulheres ainda penam com a pressão para serem mães, como se do contrário não estivessem “completas”, imagine na sociedade italiana dos anos 1970. Essa personagem é, ao mesmo tempo, o obscuro objeto de desejo do menino e um sinal de alerta. É linda a sua cena tomando banho nua na proa do barco.
O italianíssimo Paolo Sorrentino constrói habilmente essa teia de carinhos e desavenças que tornam o universo de Fabietto não apenas crível, mas consistente e poético. Para isso, A Mão de Deus enfatiza os protocolos de convivência entre tantos personagens. Um exemplo é o costume da Baronesa Focale (Betty Pedrazzi) de diariamente entrar na casa dos vizinhos tentando preservar a superioridade que seu título obsoleto deixou de lhe conferir. Mas, o seu gesto de carinho que culmina com a frase “minha função era te ajudar a olhar para o futuro” é um dos mais bonitos desse filme que gradativamente troca a excentricidade dos parentes pela dor que determinadas rupturas causam. De certa forma, estamos diante de um coming of age, rótulo utilizado para designar enredos de amadurecimento em que alguém é apresentado a pessoas e situações distintas rumo ao crescimento emocional, psicológico e intelectual. Enquanto vive a expectativa angustiante para saber se Maradona vai ser contratado pelo modesto time do Napoli, Fabietto lida com a paixão pela tia, a amizade do irmão mais velho e as turbulências entre o pai e a mãe (que o afetam fisicamente). A tragédia repentina o obriga a pensar com a cabeça de adulto. Porém, as etapas desse crescer são diluídas ao longo da curva dramática que interliga a cidade de Nápoles e o enraizamento profundo da família no local. Tudo isso é apresentado pela belíssima direção de fotografia assinada por Daria D'Antonio.
Frequentemente criticado por absorver tiques e as constantes estético-narrativas de seus ídolos, Paolo Sorrentino parece seguro o suficiente, não apenas por seguir fazendo isso, como também por escancarar ainda mais as suas admirações e inspirações cinematográficas. Além das menções a Fellini, ele faz uma crítica sutil à desvalorização do talento italiano quando Saverio se refere a Era uma Vez na América (1984) como “o filme de De Niro”, priorizando a estrela hollywoodiana e sequer citando que o filme é dirigido pelo conterrâneo Sérgio Leone. Em meio à ternura desse aceno ao passado, Sorrentino nos aproxima de Fabietto como um convite a experimentar a sua visão bastante particular de mundo. É exatamente por meio desse olhar em processo de amadurecimento que enxergamos a devoção pela tia Patrizia (e por Maradona), a noção de que nem tudo são flores no casamento dos pais e constatamos as ambiguidades que perpassam a família. Não à toa, é somente muito próximo do fim que o adolescente é convocado a contemplar as belezas de Nápoles e a ponderar se a cosmopolita Roma será tão inspiradora quando aquele cenário paradisíaco (cujas belezas se tornaram comuns ao seus olhos). Seguindo a máxima do escritor russo Leon Tolstói “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”, Sorrentino fala do próprio universo de forma tão sensível e lírica que permite ao espectador identificar-se aqui e acolá. E se num versos de Strawberry Fields Forever, canção dos Beatles, consta a frase: “viver é fácil com os olhos fechados”, aqui Sorrentino defende que é preciso abrir os olhos e perder a inocência para crescer, nem que isso torne as coisas mais difíceis.
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Maravilhosa a crítica sobre o filme. E como ela perpetua com nossa visão do perceber esse nosso amadurecimento devido a nos tirar do cômodo e seguro, mas como bem colocado, precisamos abrir os olhos, mesmo de doa para vivenciarmos nossas intimas experiências enquanto existência .
A irmã do protagonista aparece uma única vez, saindo do banheiro chorando, algum tempo após a morte dos pais.