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Crítica


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Sinopse

Numa floresta do interior do Brasil, uma garota vê sua vida – e de todos ao seu redor – mudar terrivelmente quando encontra o Livro Perdido de Cipriano. A Magia Sombria deste objeto, além de outorgar poder e riqueza a quem o possui, é capaz de libertar um terrível mal sobre a Terra.

Crítica

O capixaba Rodrigo Aragão é um dos principais cineastas de horror do Brasil. Além de qualidade nas maquiagens (a grande especialidade do artista), seus filmes possuem uma bem-vinda ambientação, cuja principal característica é o aproveitamento de traços de mitologias brasileiras. Diferentemente de outros artistas do gênero, que acabam mimetizando boa parte do que os cinemas norte-americano e europeu consolidaram, esse realizador se vale de pitadas generosas de regionalidade para contar histórias de demônios, mortos-vivos, chupacabras e, em A Mata Negra, de bruxas largadas à própria sorte na floresta, com habilidades além da compreensão. A protagonista é Clara (Carol Aragão), encontrada na mata por Pai Pedro (Markus Konka), sujeito que tratou de cria-la desde a mais tenra idade. Ele a sustenta vendendo “garrafadas” e outros produtos de sua sabedoria relacionada ao poder medicinal das plantas. Esse contexto se dá pela mescla funcional de diálogos expositivos com o testemunho de acontecimentos que deflagram a singularidade da menina “beijada” pelo mal. Poderosas forças ocultas a protegem.

Em A Mata Negra existe uma escalada de Clara, da inocência à brutalidade. Por conta de uma fatalidade, e depois de encontrar um moribundo que lhe presenteia com um saco de moedas de ouro e o amaldiçoado Livro Perdido de Cipriano, ela toma uma senda gradativamente mais sangrenta e carregada de malignidade. A falta de uma consistência maior no que concerne às interpretações é compensada pela capacidade de Aragão de criar uma atmosfera cruamente violenta, em que as ameaças sobrenaturais são potencializadas por suas equivalentes tangíveis. A religiosidade de alguns moradores locais é encarada como sintoma de fanatismo, vide o sermão da beata que culmina com olhares de júbilo pelo infortúnio de quem, por falta de possibilidades, negou-se a fazer donativos “à obra de Deus”. O impacto do filme decorre justamente da maneira como se engendram os componentes terríficos. Destaque à repugnância obtida simplesmente com a utilização de ovos galados, à caracterização das criaturas conjuradas nos rituais e, principalmente, aos amedrontadores demônios que surgem.

A entrada da família formada por José (Francisco Gaspar), Maria (Clarissa Pinheiro) e Dona Vera (Margareth Galvão) desloca um pouco o foco de Clara, permitindo a constituição de uma quase subtrama, nem sempre integrada organicamente ao todo. Mesmo assim, nesse núcleo reside a qualidade sobressalente do elenco, com desempenhos realmente convincentes e, em determinados instantes, viscerais. Jackson Antunes, intérprete de Francisco das Graças, homem que se diz detentor dos poderes divinos na Terra, apresenta um desempenho deliberadamente exagerado, instituindo uma crítica desbragada aos pregadores cotidianos que lançam mão de palavras de ordem para supostamente disseminar o evangelho. A Mata Negra se ressente, em certos segmentos, da ausência de intensidade daquilo que lhe faz forte, justamente a aparição de criaturas inumanas, nativas e/ou presas em diversos planos, para manter constante o clima de tensão conseguido ocasionalmente. Disso derivam eventuais estagnações e pasmaceiras, estados logo dissipados por injeções de horror genuíno na veia.

A Mata Negra cresce na medida em que se aprofunda nesse folclore circunscrito nos domínios de um espaço geograficamente vedado ao cosmopolitismo. Rodrigo Aragão usa e abusa de ângulos enviesados de câmera, de perspectivas incomuns para ampliar o registro de ocorrências macabras relativas à presença da enigmática Clara, moça que, a despeito de sua pouca experiência de vida, é capaz de embalsamar o corpo do jovem por quem se apaixonara numa solução de banha de porco e pimenta, a fim de futuramente tentar lhe resgatar dos mortos. O encerramento é não apenas surpreendente, mas pulsante, exatamente porque o cineasta não se furta de fazer uso de animatrônicos bizarros, demônios imponentes e muito bem caracterizados, além de escancarar assassinatos, provocando escorrimento desenfreado de sangue, ou seja, de centralizar o filme na exploração dos elementos que fizeram sua carreira ser tão bem-sucedida. Ali, ele deixa para trás o banho-maria das sequências tortuosamente calmas e frias, oferecendo-nos um espetáculo escatológico e empolgante.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.
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