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Sinopse

Ex-correspondente de guerra entediada depois da aposentadoria, Ruth sofre com o alcoolismo e uma perna recentemente fraturada. Ela acaba formando um vínculo inesperado com o neto rebelde que foi expulso do internato onde estudava.

Crítica

Uma das grandes armadilhas que volta em meia atores veteranos acabam incorrendo é o da repetição, o uso insistente de fórmulas desgastadas, ainda que comprovadas pelo tempo. É o caso da geralmente ótima Charlotte Rampling em A Matriarca, um filme no qual ela, apesar de ser a figura ao qual o título nacional se refere, nem chega a ser exatamente a protagonista. Quem está à frente dos acontecimentos é o jovem Sam (George Ferrier, de Um De Nós Está Mentindo, 2021-2022), que aparece em cena como um típico adolescente rebelde que, de uma hora para outra, se vê obrigado a lidar com alguém que, na superfície, parece ser o seu oposto, apenas para que, com o passar dos dias, ambos se percebam mais próximos do que haviam imaginado. E se há alguma razão para se ir adiante com essa história, é mesmo a presença da atriz, que por mais que se demonstre transitando por ambientes e situações que lhes são por demais confortáveis, ainda consegue imprimir ao conjunto uma excelência não muito frequente nas telas.

Sam e sua avó, Ruth (Rampling), são os personagens centrais de A Matriarca. Por mais que outros tipos volta e meia marquem presença, eles pouco influenciam no resultado final. Ela é dura e irascível. Está longe de ser uma daquelas vovós afáveis, que cozinham tortas de maçã enquanto embalam seus netos no colo. A vida inteira foi uma profissional de destaque no seu campo de atuação – era fotógrafa de guerra, tendo coberto importantes eventos ao redor do mundo – e, por isso mesmo, pouco tempo teve para dedicar à família. Ou seja, apenas para ficar em uma terminologia que lhe seria próxima, nada de novo no front. Tipos como ela são inúmeros na ficção, e é de se imaginar que sejam frequentes também na vida real, o velho estereótipo da mulher que trocou a satisfação familiar pela realização profissional, como se esse fosse um dilema apenas delas, e nunca deles. Tanto é que em nenhum momento se questiona o comportamento do filho, por quem o neto também guarda algum tipo de ressentimento, mas nunca com a mesma intensidade que sente pela avó, ou mesmo pelo homem com quem ela gerou essa criança, mais objeto de uma curiosidade passageira do que responsável pelos seus atos.

Já o garoto é o típico representante de uma geração cada vez mais frágil, incapaz de sustentar seus próprios fracassos e tropeços, vendo neles não oportunidades de crescimento, mas motivos para desistir. Criado em colégios privados e internatos bastante rígidos, tentou suicídio em mais de uma ocasião e não vê sentido quando é chamado de volta para casa, mesmo que pelo período das férias. Lá é deixado com a mulher que pouco conhece, mas de quem muito herdou, principalmente em termos de personalidade. Quem cuida de quem, o espectador poderá se perguntar. Ela está doente, e seus dias estão contados. O garoto, por sua vez, é mais do que um adolescente inconsequente – é um adulto, capaz de assumir decisões difíceis. O começo entre eles, da mesma forma, não será nada fácil. Mas também faz parte do jogo. Ou, melhor, da dança que irá se estabelecer entre eles. Cada um dará um passo num sentido contrário, ele irá ceder, ela avançará, um irá agredir, o outro irá revidar, mas, aos poucos, o entendimento virá. E, com ele, o surgimento de um outro e mais profundo sentimento: o pertencimento.

Ao redor dos dois, outros irão transitar, com maior ou menor exposição. Robert, pai de um e filho da outra, é vivido por Marton Csokas, um ator que várias vezes chegou perto do estrelato, sem nunca ter conseguido se firmar nessa posição. Aqui mais uma vez se apresenta como uma figura de autoridade, mas marginal, que vem pelas beiradas, sem se colocar de fato no centro da discussão. Melhores oportunidades são oferecidas à enfermeira Sarah (Edith Poor, de Ataque dos Cães, 2021), que acaba servindo como um ponto de ligação entre os personagens centrais. Por mais que esteja em função da senhora, em nenhum momento se coloca numa posição subserviente. Menos ainda na dinâmica que estabelece com o rapaz, a quem trata com respeito, mas reconhecendo sua posição na delicada equação presente naquela casa. De uma forma ou de outra, os dois estão ali para fortalecer a aproximação entre estes tipos antagônicos, mas mesmo assim, carentes do que o outro tem para lhes ofertar. As histórias dela e a juventude dele são o que mais precisam, tanto como exemplo, como também, e principalmente, como lembrança num momento em que o conforto deve vir como fruto do confronto.

Escrito e dirigido por Matthew J. Saville, A Matriarca é o trabalho de estreia de um cineasta ainda em formação, mas não inexperiente. Isso é devido ao seu histórico enquanto ator tendo estreado como figurante no épico O Senhor dos Anéis: As Duas Torres (2002) e atuado em séries como Spartacus (2010) e filmes como X: A Marca da Morte (2022). Ou seja, trata-se de um profissional que há anos vem circulado pelo meio e, a despeito de diversos aparatos que podem conquistar a atenção da audiência, sabe que muito dessa força pode – e, em casos assim, também deve – vir de um elenco coeso. Dessa forma, por mais que o texto por vezes se mostre redundante e aposte em um desfecho conciliador e por demais previsível, há de se reconhecer o acerto que foi a escolha de Charlotte Rampling. É por ela, e sobre ela, que o filme se desenvolve e se valida, não apenas como uma (convencional) lição de vida, mas, acima de tudo, por mostrar o quão certo se pode estar, mesmo que pelas vias mais inesperadas e tortuosas. O importante, no fim, é não abrir mão de quem se é. O que ela deixa como legado, aos seus e, em última instância, àqueles no lado de cá da tela.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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