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Crítica


4

Leitores


10 votos 8.4

Onde Assistir

Sinopse

Mia, de dez anos de idade, tem sua vida virada de cabeça para baixo quando sua família decide deixar Londres para administrar uma fazenda de leões na África. Quando nasce um lindo leão branco, ela encontra a felicidade mais uma vez e desenvolve um vínculo especial com o filhote. Porém, assim que o animal chega aos três anos, a vida da garota é abalada mais uma vez ao descobrir um segredo perturbador mantido por seu pai.

Crítica

As primeiras tomadas aéreas – e são muitas – de A Menina e o Leão visam mostrar a vastidão e a beleza da propriedade do pai da protagonista na África do Sul. Todavia, passa longe a vontade de oferecer, no decurso da trama, um sólido contexto da fazenda no funcionamento cotidiano da sociedade local, aliás, "liberdade" também perceptível na gritante predominância branca em cena. Os personagens negros surgem, essencialmente, em posições de servilismo. Isso, vide a empregada que mais parece recortada de uma produção da Hollywood de outrora que romantizava a suposta “docilidade” dos afroamericanos, os policiais e os atendentes do posto de gasolina. Também há o forte estereótipo atrelado ao exotismo, com o povo entranhado numa reserva protegida por lei. O filme de Gilles de Maistre assume abertamente o tom fabular para contar a história de Mia (Daniah De Villiers), menina que desenvolve amizade profunda com o leão branco que rechaçara durante a revolta contra a necessidade de morar longe de sua querida Londres.

Num primeiro momento, a dificuldade de Mia com a nova casa é a principal preocupação dos pais vividos por Langley Kirkwood e Mélanie Laurent. Ele, sujeito pragmático que exibe contrariedade quando a filha se liga ao animal tido como salvação da propriedade que não gera lucros. Ela, apenas a que dá suporte emocional aos filhos e ao marido, sem demonstrações evidentes de subjetividade. Emoldurando a trama com os horizontes bem fotografados da vistosa paisagem natural, o realizador desenvolve um enredo cujo simplismo comporta mudanças forçadas na conduta de Mia. Isso, na medida em que ela nutre seu vínculo com Charles, o leão arruaceiro que frequentemente destrói bolas de futebol e perturba os moradores da casa com seus trejeitos "fofos" entre o selvagem e o domesticado. Embora as elipses, marcadas pela idade do animal, tornem crível esse câmbio de humores, o excesso delas, e, por conseguinte, de alterações cria uma sensação de banalidade.

A Menina e o Leão não esconde sua vocação ao piegas, característica demarcada por uma trilha sonora demasiadamente intrusiva que, de modo desnecessário, sublinha as instâncias e os sentimentos que a imagem e a encenação já deixam suficientemente evidentes. Oferecendo resoluções fáceis a problemas difíceis, Gilles de Maistre chega ao cúmulo, em meio à vontade de privilegiar a mensagem em detrimento das complexidades possíveis, de explicar o trauma do primogênito, condição mencionada em diversos instantes, como algo umbilicalmente relacionado à ganância dos homens. Para além de qualquer leitura crítica acerca de práticas condenáveis, como a criação de animais selvagens para abate por caçadores legalmente autorizados à barbárie, está a delineação de um percurso calcado na tenacidade da menina que acredita, apesar dos indícios contrários, que pode mudar o mundo. Todavia, nem o suporte da lenda que menciona sacerdotisas, um povo nativo e o leão branco que precisa voltar para seu verdadeiro lar dá conta de minimizar a frivolidade do filme.

O grande destaque positivo de A Menina e o Leão é o carisma da jovem Daniah De Villiers. Sua personagem se encaixa tão bem nesse arcabouço fabular que permite o esquecimento momentâneo das inconsistências que tangem à veracidade da narrativa estilizada como uma produção Disney feita para toda a família. Ela interage corajosamente com o leão em várias fases, chegando a entrar em jaulas, conseguindo solidificar Mia como alguém predestinada a lutar pela liberdade dos animais. Afeito a frisar o que os conflitos têm de mais óbvio, Gilles de Maistre cria um filme no qual o romantismo resvala constantemente no sentimentalismo barato. É como se o espectador estivesse num safári, diante da vida selvagem pulsante, mas distante de qualquer meandro que o faça efetivamente compreender as idiossincrasias afetivo-geográficas dela. Empunhando uma bandeira frágil de denúncia, o filme consegue até atribuir à África o papel de vítima e vilã, afinal as coisas lá “sempre foram assim”, não cabendo aos personagens críticas ferrenhas pela criação da lógica predatória.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Grade crítica

CríticoNota
Marcelo Müller
4
Diego Benevides
5
MÉDIA
4.5

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