Crítica
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Sinopse
Depois que o único filho deles comete suicídio, Francisca e Carlos lutam bravamente para se adaptar a uma vida marcada pela tragédia.
Crítica
Francisca e Carlos estão enfrentando a pior das dores. Aquela que paralisa, que os deixa sem respostas para as inúmeras e ininterruptas perguntas que somam e que seguem chegando até eles, como uma torneira aberta para não mais fechar. Uma vez alçados a condição de pais, como voltar atrás? Como deixar de ser aquilo com o qual se acostumou por toda uma vida? É um vazio deixado não por vontade ou decisão própria, mas de outro – justamente daquele que tudo em suas vidas transformou. Pois eis o que acontece ainda antes do começo de A Metade de Nós, longa escrito e dirigido por Flávio Botelho. Quando ao espectador é permitido destes personagens se aproximar, o luto imediato, aquele que pega de surpresa e os deixa sem reação, já não mais tem espaço. O tempo passou. E a eles cabem lidar com os pedaços deixados pelo caminho. Com os cacos de um espelho de si mesmos que nunca mais voltará a ser o que um dia foi. E por um motivo simples: uma parte deles se foi para não mais voltar. É uma ausência com a qual terão não apenas que se acostumar, mas também descobrir como seguir em frente tendo-a para sempre consigo. O resultado é um filme difícil, mas ainda assim sensível com o pouco que diz e com o muito que demonstra.
Produtor de obras elogiadas, como A Paixão de JL (2015) e As Duas Irenes (2017), Botelho escolheu um tema espinhoso para o seu trabalho de estreia como realizador. O curioso é que, ciente da amplitude de emoções que teria pela frente, chamou para estar ao seu lado dois talentosos roteiristas: Daniela Capelato e Bruno H. Castro. Ela tem no seu histórico o documentário Democracia em Vertigem (2019), enquanto ele foi um dos responsáveis pela animação Sangro (2019). A combinação de experiências tão distintas é determinante para fazer de A Metade de Nós um estudo não fechado em si mesmo, mas aberto ao que de mais complexo – ou inesperado – tal situação poderia oferecer àqueles que, inadvertidamente, nela são jogados. Um pai e uma mãe nunca escolhem esse caminho. Mas a alguns este destino é imposto, por mais sofrido que se mostre. Atravessá-lo e por ele ser modificado são escolhas tão profundas e pessoais que é quase impossível não se perder em um momento ou outro, tanto de si, quanto do outro. O que, mesmo sem querer, acaba acontecendo com os protagonistas.
Por mais acostumados que estejam com a presença daquele remanescente ao seu lado – e, mais do que isso, até mesmo confortáveis com esta consciente imobilidade – a maneira como cada um irá lidar com a perda terminará, inevitavelmente, por afastá-los. É curioso como muitos chegam a ver nisso um processo de ‘escolha’, quando o que se dá, na realidade, é algo mais natural e orgânico. Assim, o filme, sabiamente, não levanta esta discussão. Não está em debate se permitir ou não a depressão, a negação, a relutância, a resignação, o seguir em diante. São passos distintos e por demais pessoais, que saberão ou não como e quando dar – e, ainda mais importante, se devem ou não os dar. O interno termina por falar mais alto do que aquilo que estão dispostos a compartilhar com o resto do mundo. Quem se foi não está mais ali, e, portanto, por mais cruel que possa parecer, o fato é que deixou de fazer parte da equação. São os que restaram que agora importam. Tanto juntos, quanto separados.
Há ruídos nos percursos que os dois, antes um casal, mas agora indivíduos, não conseguirão evitar. E se por um lado o realizador demonstra compaixão e respeito pelo sofrimento destes que criou, quase como um mestre que também sente pelos seus, é visível como o mergulho num se mostra mais profundo do que em outro. Francisca está resoluta em buscar algo ou alguém em quem possa depositar a culpa que assumiu para si. A mãe, uma vez órfã de filho, parece ter perdido também o próprio sentido de ser. O psicólogo que acredita ser responsável por não ter orientado – e, mais do que isso, alertado – a crise pela qual o garoto enfrentava é o seu alvo. E ele é tanto objetivo quanto um fim. Obstinada, se torna cega aos que estão ao seu redor. É compreensível, portanto, o afastamento progressivo de Carlos. Porém, uma vez aberto a uma nova relação, talvez numa busca por suprir a carência que nele se impôs, soa mais como distração o instante que em que passa a ser visto como um homem bissexual. A mudança soa por demais aleatória, e a construção que leva de um ponto a outra carece de mais etapas de entendimento. É válido o esforço em abordar essa diversidade, mas não como parte de uma cartilha de interesses, e, sim, como parte de um todo elaborado desde o princípio, como um passo inserido em um todo.
Se Cacá Amaral demonstra desenvoltura como um tipo aberto ao novo, oferecendo solidez ao sentimento que o percorre, ao mesmo tempo em que revela sensibilidade frente ao inesperado, está na performance hipnotizante de Denise Weinberg o maior trunfo do filme. É provável que A Metade de Nós perdesse muito de sua força não fosse o olhar penetrante e a certeza avassaladora da atriz, que perfura uma angústia capaz de ser identificada de longe, independente de qual lado da tela se encontre, tanto personagem quanto espectador. No todo, pelo muito que reúne em elementos e possibilidades, poderia se esperar um debate mais denso e transformador. Mas talvez não fosse esse o objetivo. Ao se dar por satisfeito em propor a discussão e em mostrar um ou outro exemplo dentre tantos, o que se verifica é uma obra adulta, não disposta a concessões que facilite o seu acesso, da mesma forma que evita atalhos que minimizem o pesar dos envolvidos. Fácil nunca é, mas também não há razão para que se negue ao quadro proposto o devido peso. O que, enfim, acontece.
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Grade crítica
Crítico | Nota |
---|---|
Robledo Milani | 6 |
Chico Fireman | 7 |
Rodrigo de Oliveira | 8 |
Francisco Carbone | 7 |
Alysson Oliveira | 6 |
Leonardo Ribeiro | 6 |
MÉDIA | 6.7 |
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