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Sinopse

Earl Stone é um homem de 80 anos que está falido, sozinho e enfrentando o fim de seus negócios. Nesse momento delicado, lhe oferecem um emprego cuja única responsabilidade é dirigir. Sem perceber, e pensando ser um trabalho fácil, Earl acaba se tornando uma “mula” responsável pelo transporte de drogas para um cartel mexicano.

Crítica

São frequentes na filmografia de Clint Eastwood, especialmente na do cineasta, personagens guiados pela honra, empenhados em fazer o necessário para cumprir suas missões. Em A Mula temos um protagonista desenhado inicialmente como alguém negligente no âmbito familiar, mas diligente no que diz respeito à plantação de lírios que o torna conhecido na região. Ele transita por eventos da área com desenvoltura invejável, distribuindo charme e sociabilidade, algo escasso na relação conturbada com a filha e a esposa constantemente preteridas em função do trabalho. Todavia, diferentemente de outros homens empenhados, interpretados/dirigidos por essa verdadeira lenda hollywoodiana em plena atividade aos 89 anos, Earl é um apreciador da beleza, a quem a dedicação passa impreterivelmente pela diversão e o desfrute da vida. Isso também pode ser visto no caminho de contravenção que ele toma, passados 12 anos da ausência no casamento em que deveria conduzir a noiva ao altar, quando é acossado pela dura falência e os vencimentos da hipoteca.

O grande valor de A Mula é a interpretação de Clint Eastwood, encarregada de dotar Earl de um magnetismo natural, condução imprescindível para o florista conquistar os carrancudos do cartel mexicano para quem passa a carregar drogas. Esse fascínio espontâneo trata, de maneira semelhante, de dirimir determinadas facilidades às quais recorre o roteiro para fazer a trama caminhar compassada, vide a potencialmente controversa opção por retratar imigrantes quase apenas como membros de organizações criminosas, aqui não tão ofensiva justamente por conta da falta de consistência da ponderação. Nesse percurso que assume ocasionalmente contornos de road movie, Eastwood chega próximo à discutir a natureza dos estereótipos, uma vez que “a mula” alcança êxito, boa parte, porque não aparenta ser uma ameaça. Todavia, a própria inclinação do filme por desenhar figuras estereotipadas, como os mexicanos envolvidos com o narcotráfico, acaba por invalidar qualquer intenção mais densa, como a ótima brincadeira com o sujeito numa blitz.

Earl tem um percurso simbólico a cumprir. É latente o arrependimento pelos elos quebradiços deixados para trás no atribulado cotidiano prioritariamente dedicado às flores. A Mula, no que tange a essa dimensão pessoal, oferece o básico para que as interações não caiam inapelavelmente na banalidade. Essa motivação serve de “desculpa” para a entrada do protagonista no mundo do crime, uma vez que as primeiras viagens são caracterizadas pela urgência de auxiliar financeiramente a neta prestes a casar, única que ainda o convida para os esparsos eventos familiares. A direção de Eastwood é límpida, com a câmera se deslocando sutilmente, mas não ao ponto de aspirar à imperceptibilidade. Em vários momentos, aliás, as imagens aéreas, agrupadas, criam uma espécie de registro singelo e colateral da beleza das paisagens norte-americanas. Isso acaba conferindo ao filme, além de tudo, o status de bela declaração de amor pelos cenários estadunidenses à beira da estrada. Gradativamente, Earl vence animosidades e espalha carisma, amolecendo os cascas-grossas do tráfico.

A Mula, a despeito das qualidades narrativas, da forma como Clint Eastwood cria um caminho de fruição saborosa, em que a Earl é atribuído o papel de cicerone tão singular quanto boa-praça, incorre em vários procedimentos que o enfraquecem dramaticamente. A caçada do agente Colin (Bradley Cooper), insípida no desenrolar do enredo, ganha importância quando o dentro e o fora da lei estabelecem tardiamente um vínculo que, em priscas eras, se encaixaria como uma luva nas dinâmicas duelistas de western. Earl participa de dois ménage a trois com beldades, pelo menos, uns 60 anos mais jovens. A reiteração estabelece um ruído bobo e desnecessário. É nas filigranas que o longa peca no arremate, na supressão de pontuais minúcias em função de, muitas vezes, um efeito conciliador imediato. Reates difíceis e previsíveis, mortes telegrafadas em instantes triviais, tudo isso, contudo, é compensado pelo prazer de assistir a um ator maiúsculo em cena, transitando habilmente por estágios humanos distintos, oscilando como diretor, mas acertando na mosca como intérprete.

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Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

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