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Sinopse

Após a morte da mãe, Holly se torna literalmente invisível. Os familiares não a enxergam mais, e ela não é percebida pelos colegas da escola. A pré-adolescente se torna adulta, acostumada a transitar pela cidade onde não é vista. Um dia, um lutador de MMA em fim de carreira consegue enxergá-la. Surge entre os dois uma afinidade: Holly tem certeza de que eles precisam ajudar um ao outro.

Crítica

Há uma conjunção de tons muito particular em A Mulher Invisível (2019). A diretora e roteirista Claudia Myers parte de uma premissa fantástica, porém sem qualquer traço estético de fantasia. Holly (Olivia Thirlby), a filha do meio de uma família de filhos talentosos, literalmente desaparece após a morte da mãe. Ninguém mais a vê. Por um lado, o flashback da infância em tons amarelados e esverdeados remete ao imaginário estetizado de O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (2001), enquanto as paisagens virtuais da cidade parecem extraídas de algum filme sobrenatural. Por outro lado, a personagem é interpretada com naturalidade quase indiferente pela atriz, ao passo que a interação dela com a sociedade se limita a navegar entre as pessoas comuns com um tom despreocupado. Como se sente uma pessoa condenada a mais de dez anos de isolamento social? A invisibilidade poderia se converter num superpoder ou numa maldição, porém a diretora aborda esta anomalia sem apreço. Holly constitui uma exceção banal, sequer se torna digna de atenção. Ela constitui uma protagonista ao mesmo tempo especial e sem qualquer importância.

Em paralelo à fantasia sem teor mágico, e à ficção científica sem exploração da ciência (nunca se sabe ao certo porque a garota fica invisível, e isso tampouco importa à trama), o projeto investe no melodrama, no romance e no filme de esportes. A jovem procura ao mesmo tempo reconquistar a atenção dos familiares, enquanto se apaixona por um lutador de MMA decadente – o único homem que a enxerga de fato, e que ela passa a ajudar rumo a novas conquistas em campeonatos. Estamos diante de um curioso conto de fadas enquanto ideologia, mas não em estrutura narrativa. A premissa de que o amor tornará Holly visível e completa constitui ao mesmo tempo uma romantização e uma forma de machismo. Romantização, porque supõe que o amor vence todos os obstáculos, e que sempre haverá uma pessoa perfeita para qualquer um, mesmo os invisíveis. (Por acaso, trata-se de um homem belo, musculoso, gentil e disponível). Machista, porque supõe que Holly só pode existir enquanto pessoa autônoma a partir do momento em que o amor de um homem a legitima, ou seja, quando se apaixona e é desvirginada pelo lutador. O roteiro não concebe possibilidades de superação por si mesma, nem de amor próprio: a autonomia de Holly depende do reconhecimento do pai, dos irmãos e de Shane (Alan Ritchson). Mesmo assim, estamos cientes do perigo anunciado aqui: como este artigo, escrito por um homem, poderia acusar de machismo a obra concebida e realizada por uma mulher?

A indefinição de estilos provoca uma estranha experiência de imersão para o espectador, precisando atar elementos incompatíveis entre si: Thirlby constrói uma personagem naturalista banhada pela luz de uma lua gigantesca, amarelada e completamente artificial. A invisibilidade da protagonista permite que ela entre na casa de qualquer um, mas como ela atravessaria as portas, se sua invisibilidade não implica em amaterialidade? Ela envia mensagens de texto ameaçadoras para qualquer famoso, mas de que forma teria conseguido o número de telefone? Holly utiliza objetos e roupas que também se tornam invisíveis, mas por que estes elementos não seriam visíveis aos outros? O roteiro confunde invisibilidade com onipresença e onipotência. “É só uma metáfora”, poderiam responder alguns leitores, e teriam razão. O problema se encontra na abordagem excessivamente literal da metáfora, sem explorar as consequências lógicas da premissa. Em outras palavras, a cineasta acredita que o aspecto lúdico permita qualquer concessão narrativa, a ponto de tornar sua trama inverossímil, ou seja, difícil de se acreditar e se justificar mesmo dentro daquele contexto.

Ao mesmo tempo, a invisibilidade provoca ruídos quando explorada em suas diversas vertentes: o roteiro compara o desaparecimento de Holly pela ausência de amor, o desaparecimento da mãe dela pela morte, e o de Shane pelo fracasso nos ringues. Cada um poderia expressar o não-pertencimento de maneira distinta, porém Myers prefere o naturalismo para Shane (na chave do drama), o misticismo para a mãe (revista como fantasma, ou enquanto lembranças da protagonista) e a ficção científica para Holly (que literalmente desaparece). O projeto careceria de um produtor capaz de apontar os furos do roteiro, os personagens estereotipados, a incongruência de estilos e mesmo a duração excessiva – muitas cenas se repetem e arrastam ao longo de quase duas horas. Quando A Mulher Invisível busca uma forma de conclusão, decide solucionar todos os conflitos afetivos dos personagens em questão de minutos, o que implica em resoluções absurdas, beirando a comicidade involuntária (caso dos amores da irmã e do irmão de Holly). Novamente, a concessão à ludicidade não justifica o uso desmesurado de atalhos de roteiro. Por mais que Thirlby se esforce em cena (sendo louvável sua interpretação sem julgamentos da fútil protagonista), ela se perde dentro de num universo que jamais para de chamar atenção às próprias lacunas.

Qual seria o paralelo para Holly nas sociedades contemporâneas? Enquanto se converte em grande lição de vida e de superação por meio do afeto, cabe pensar quais pessoas esta personagem, e a trama de modo geral, representam. Seria a garota incapaz de fazer o luto pela mãe? A menina desprovida do amor do pai, e que jamais conheceu a paixão romântica? A profissional dedicada a uma profissão nociva (Holly trabalha como paparazzi, escancarando casos extraconjugais de celebridades), precisando se arrepender? O filme possui o moralismo de um drama cristão sem sê-lo, o esquematismo de uma história de princesas, o aspecto cru das tramas sobre pessoas marginais tentando ganhar o mínimo para sobreviver em cidades sujas e escuras (em estilo Rocky, um Lutador, 1976), mas sem problemas sociais nem financeiros. Ao final, a narração ainda se explica, discorrendo sobre o transformador do amor. É possível que o resultado cative espectadores sedentos por alguma leve distorção do imaginário fabular, ainda que mantendo o otimismo e a crença utópica na superação mágica de obstáculos. No entanto, é difícil não problematizar um projeto que articula de maneira tão questionável o real e o sonho.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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