Crítica

Esquecida entre Farrapo Humano (1945) e Crepúsculo dos Deuses (1950), a comédia A Mundana (1948) ocupa posição pouco prestigiada na excelente filmografia de Billy Wilder, logo ao lado do incorreto A Valsa do Imperador (1948). Brilhantemente protagonizada por Jean Arthur e Marlene Dietrich, a produção infelizmente foi sublimada por tantos trabalhos maiores do cineasta – porém está longe de figurar entre as poucas e perdoáveis falhas do diretor.

Realizado a partir de um acordo de Wilder com o exército norte-americano, que lhe garantiu assistência na realização de um filme sobre a ocupação estadunidense na Alemanha, A Mundana foi severamente criticado pelo humor ácido do cineasta com temas como falência moral, culpa nazista, suicídio e o mercado negro europeu do pós-guerra, tudo isso em meio às ruínas de uma Berlim recentemente bombardeada. Ainda assim, Wilder e seu co-roteirista Charles Brackett se saíram excepcionalmente bem na condução deste bem-humorado romance, realista, sagaz e sofisticadamente provocativo.

Em seu papel de maior destaque no cinema, John Lund vive o Capitão John Pringle durante a ocupação norte-americana na Alemanha, onde mantém um caso com a cantora Erika von Schluetow, interpretada por Marlene Dietrich – numa composição ambígua e sedutora muito comum na carreira da atriz. Tudo corre bem na relação proibida dos dois até a chegada da congressista Phoebe Frost (a fascinante Jean Arthur), intencionada em investigar o envolvimento de um certo capitão com uma alemã reconhecida por ser a amante de um político nazista no passado.

Enquanto apresenta o comportamento humano em situações de confronto – especialmente aqueles com o sexo oposto – Wilder atinge resultados hilariantes para reiterar que as atrações românticas e sexuais ocorrem naturalmente entre a maioria das pessoas, independentemente de suas crenças políticas ou barreiras de linguagem. O olhar do cineasta para os males deixados pela Segunda Guerra Mundial é inocente e se resume nas relações tabus entre americanos e alemães, nas trocas proibidas do mercado negro e em outras pequenas casualidades do pós-guerra, das quais o riso não propicia qualquer sentimento de culpa.

A Mundana foi realizado mais para aliviar a sensação opressiva do pós-guerra do que para retratar o período em que se ambienta ou documentar as relações entre dois países inimigos. Wilder e Brackett apresentam algumas impressões pontuais e relevantes em aspecto político e histórico, porém suas atenções estavam mesmo voltadas para o triângulo cômico de paixões, interesses e desencontros de seus protagonistas. Neste sentido, A Mundana está muito mais próximo da sátira à Guerra Fria Cupido Não Tem Bandeira (1961) do que de obras mais sérias e críticas do diretor, como Cinco Covas no Egito (1943) ou Inferno nº 17 (1953).

Muito da graça desta comédia se deve aos seus protagonistas, e Jean Arthur conquista com aquele tom cômico saudoso da Hollywood dos anos 1950, amplificado pela química encantadora que ela desenvolve com John Lund. O ator aparece numa caricatura do capitão que interpreta, simpático, com ares de conquistador barato e sem qualquer vergonha do tipo que representa.

Entre seus muitos méritos o que mais deslumbra em A Mundana é mesmo Marlene Dietrich, que tem o título nacional do filme exclusivo para si. Seja enquanto canta, dança ou lança seus olhares enigmáticos para qualquer direção, ela tem um dos grandes momentos de sua carreira nesta produção. Nos números musicais de “Ilusões” ou “Mercado Negro”, sua personagem eclipsa qualquer outro elemento de cena – incluindo seus colegas atores – e reitera dois elementos essenciais ao filme de Billy Wilder: o clima de romance e o cinismo de uma narrativa que possui muito mais do que sua primeira camada revela.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *