float(4) float(1) float(4)

Crítica


5

Leitores


1 voto 8

Onde Assistir

Sinopse

Javed, jovem britânico de ascendência paquistanesa, está louco para emancipar-se numa pequena cidade do interior do Reino Unido nos anos 1980. As letras do norte-americano Bruce Springsteen vão inspira-lo, mas ainda será necessário aprender um pouco sobre convivência, família e amigos para, de fato, crescer.

Crítica

O que mobiliza o jovem Javed (Viveik Kalra) é o legítimo desejo de emancipar-se. Ele quer se desvencilhar, o quanto antes, da influência opressiva do pai, bem como escapar ao racismo com o qual é encarado, em virtude da ascendência paquistanesa, pelos supremacistas da Inglaterra. Ele é o típico protagonista ensimesmado, ávido por encontrar uma voz própria em meio à polifonia de ruídos que abafam os seus anseios mais íntimos. As letras do norte-americano Bruce Springsteen surgem como verdadeiras epifanias que lhe possibilitam um senso de pertencimento, afinal de contas as canções do “Boss” falam exatamente de sentimentos a ele bastante pessoais, de angústias quase universais. Uma pena, no entanto, que o cineasta Gurinder Chadha perca tantas oportunidades ao longo de A Música da Minha Vida para adensar as observações que o atravessam, contentando-se em criar um longa-metragem, embora bem orquestrado, que acaba desenvolvendo-se no raso.

A dificuldade de comunicação com os pais é o elemento principal. Não apenas Javed, mas também a namorada e o amigo têm momentos de choque com seus genitores. Mas, tais demonstrações são meras pontuações burocráticas para confirmar a tese de que o rapaz não está sozinho, mas diante de obstáculos praticamente comuns, especialmente quando o assunto é mediado por abismos geracionais. Aliás, nesse percurso de aprendizado, de crescimento emocional, A Música da Minha Vida vai deixando para trás a espessura dos coadjuvantes, inexplicavelmente diminuindo a importância da amizade de infância, por exemplo, utilizando-a banalmente como dinâmica permeável às intempéries. Aliás, o relacionamento amoroso do britânico de raízes paquistanesas igualmente está ali para oferecer a possibilidade do trânsito esquemático e óbvio entre a felicidade redentora, o infortúnio provocado pelo desvio do "bom caminho" e a previsível reconciliação.

A Música da Minha Vida, até por conta do apelo ao genérico, estabelece comunicação direta com o espectador. As particularidades, menores diante do senso comum fomentado como artifício, ficam por conta das observações periféricas do cenário sócio-político britânico do fim dos anos 80, no qual o enredo transcorre – vale lembrar que a trama é inspirada em eventos reais. Na televisão há informações constantes sobre o desemprego que assola a nação, conjuntura afetando diretamente a família de Javed após a demissão do pai. Gurinder Chadha passa superficialmente pelas tensões domésticas oriundas da necessidade da mãe de dobrar o turno nas costuras para compensar a baixa nos ganhos. A estrutura patriarcal paquistanesa não é questionada com ênfase, tampouco as semelhanças entre o protagonista e o “algoz” cotidiano são estudadas para além do rápido olhar de reprovação à liberdade da irmã numa festa inicialmente vedada à presença dela.

Ainda que transcorra num ritmo gostoso, que coloque o dedo em determinadas feridas, especialmente o racismo, A Música da Minha Vida lança várias questões, contudo sem aprofundar-se nelas, bem como nas consequências. Javed é ajudado pela professora que acredita em seu potencial, incentivado pelo vizinho enganosamente desenhado como potencial racista (boa sacada do roteiro), amparado pela namorada e pelos amigos, mas patina para conseguir doses de liberdade, exatamente por estar excessivamente atrelado à lógica familiar própria da cultura muçulmana, em que o pai é o centro e, por isso, detém o poder sobre os demais membros do clã. Porém, Gurinder Chadha pretere as complexidades em função de um trajeto retilíneo com nuances insuficientes. Ele privilegia a forte e imediata identificação do protagonista com a “voz” de Bruce Springsteen, mas infelizmente não dá conta de atrelar os avanços pessoais a uma jornada menos quadrada.

As duas abas seguintes alteram o conteúdo abaixo.
avatar
Jornalista, professor e crítico de cinema membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema,). Ministrou cursos na Escola de Cinema Darcy Ribeiro/RJ, na Academia Internacional de Cinema/RJ e em diversas unidades Sesc/RJ. Participou como autor dos livros "100 Melhores Filmes Brasileiros" (2016), "Documentários Brasileiros – 100 filmes Essenciais" (2017), "Animação Brasileira – 100 Filmes Essenciais" (2018) e “Cinema Fantástico Brasileiro: 100 Filmes Essenciais” (2024). Editor do Papo de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *