Crítica
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Sinopse
Quando acorda pela manhã, no apartamento onde um dia antes acontecera uma grande festa, Sam precisa aceitar os fatos: ele está sozinho e mortos-vivos invadiram as ruas de Paris. Aterrorizado, ele precisa se proteger e se organizar para continuar vivo. Mas Sam não sabe se é realmente o único sobrevivente.
Crítica
É praticamente uma convenção dos filmes de zumbi a epidemia de mortos-vivos começar num momento em que o protagonista está “fora do ar” – em coma, dormindo, numa atividade afastada, etc. Já no cenário apocalíptico, ele entende paulatinamente os contornos da nova realidade. Em A Noite Devorou o Mundo, Sam (Anders Danielsen Lie) vai buscar seus pertences na casa da ex durante uma festa. Ele acaba adormecendo, trancado numa sala, vislumbrando cômodos ensanguentados e comedores de cérebro perambulando pelas ruas de Paris ao acordar. O mais comum seria o início de uma jornada de descoberta, exatamente com ele angariando informações, consequentemente clarificando a situação. Todavia, o cineasta Dominique Rocher subverte tal expectativa, propondo uma trama solitária, em que o homem precisa encontrar subsídios para viver, bem como para lidar com o isolamento. A opção intenta promover uma reflexão acerca dos efeitos colaterais da circunstância extraordinária.
Indo na contramão de outra probabilidade quanto aos longas-metragens de zumbi, A Noite Devorou o Mundo não é marcado por uma sucessão de instantes tensos, com frequentes invasões de perigos significativos no território sobrevivente. Não há a vontade visível de investir na construção de uma atmosfera urgente, embora, inevitavelmente, em determinadas passagens haja severas ameaças à estrutura montada para garantir a permanência entre os vivos. Estamos diante de um longa-metragem obviamente ancorado no horror, mas que oferece poucos episódios necessariamente aterrorizantes. Para o realizador é mais importante deflagrar as mudanças pelas quais Sam passa, inclusive fisicamente, do que ressaltar o perigo que ele corre por estar cercado de famintos e brutais predadores. A remoção da barba o faz parecer adolescente, impressão corroborada pelo comportamento embalado por rock and roll pesado e as recorrentes sessões à bateria para exorcizar os demônios internos e externos.
A terceira fase do protagonista é a proximidade da provável derrocada, com ele de cabelo raspado e um aspecto doente. Em A Noite Devorou o Mundo ainda há a presença do zumbi interpretado pelo grande Denis Lavant, que funciona como o “amigo” silencioso, uma escuta irracional dos devaneios de Sam, cuja presença acentua a melancolia prevalente. Dominique Rocher não consegue, porém, tonar esse estudo de personagem duradouramente instigante, incorrendo muitas vezes na representação de banalidades revestidas com uma fina camada de valor dramático. Ele não logra êxito, por exemplo, na tentativa de fazer da relação com o enclausurado no elevador um elemento pertinente para além do óbvio. Falta espessura ao desenvolvimento das boas possibilidades levantadas, o que faz dele refém de uma estagnação contraproducente que sequer dá conta de transferir à esfera formal a angústia da imobilidade imposta ao sujeito. O filme perde força à medida que se instaura confortavelmente na inércia.
Afora a gradativa deterioração psíquica/emocional de Sam, e a coragem de acessar clichês a fim de, paradoxalmente, perverter certos caminhos caros ao gênero, poucos componentes sobressaem nessa história de zumbi que não atinge as profundezas. Anders Danielsen Lie, integralmente em cena, carrega nas costas o fardo principal, já que as intenções diretivas passam necessariamente pelas metamorfoses do seu protagonista. A Noite Devorou o Mundo tenta ser um tratado simples, mas inventivo, sobre a natureza humana confrontada pela finitude iminente e brutal, porém falha por não oferecer um percurso denso o suficiente, justamente investindo de menos num esquadrinhamento da condição de Sam. Isso acaba dirimindo a potência da abordagem e tornando as coisas um tanto frouxas demais. Os desdobramentos da aparição de outra humana colocam a trama nos eixos, deflagrando a desolação (seguida de esperança) antes não imposta, pois, no mais das vezes, prevalecem os rituais do cotidiano ressignificado pela tragédia, não o pesar.
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