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Sinopse

Cinco melhores amigas do colegial se reúnem depois de dez anos para uma louca despedida de solteira em Miami. Só que a festa é interrompida quando acidentalmente elas causam a morte de um stripper. Em meio à loucura de descobrir o que farão em seguida, a noite delas sofre inesperadas e tragicômicas reviravoltas.

Crítica

Alguns diretores de comédias populares acreditam que a chave para o sucesso de um filme consiste em elaborar texto repleto de piadas. Uma vez construído o humor via roteiro, basta ter bons atores e filmá-los em cena. O resultado é condicionado aos diálogos e aos humor físico, ou seja, ao jogo cênico. Segundo este raciocínio, não haveria diferença substancial entre elaborar uma comédia para o teatro ou para o cinema, uma vez que o espaço se limita à função de pano de fundo para as réplicas dos atores. Para este grupo de diretores, trata-se inclusive de uma questão de modéstia (o cineasta se coloca em segundo lugar para deixar os atores brilharem) e de confiança (por ter certeza de que o grupo será capaz de executar as piadas com perfeição). A comédia se isenta da responsabilidade de criar humor através da linguagem cinematográfica, por meio de enquadramentos, da montagem, da profundidade de campo, dos sons fora de quadro etc. O cinema se legitima enquanto registro do ça a été, ou seja, enquanto prova de que aquela interação aconteceu, assemelhando-se ao making of de uma esquete.

A Noite É Delas (2017) representa um desses projetos reféns de um texto que se supõe politicamente incorreto, além do elenco composto por grandes nomes da comédia (Jillian Bell, Kate McKinnon, Ilana Glazer), uma atriz do alto escalão de Hollywood (Scarlett Johansson) e outra em rápida ascensão (Zoë Kravitz). Juntando esta equipe, o que poderia dar errado, certo? Ora, o cinema poderia dar errado. A diretora estreante Lucia Aniello, que possui ampla experiência enquanto roteirista e produtora de filmes cômicos e espetáculos de stand-up, demonstra dificuldade em encontrar ritmo de imagem para as trocas verbais, além de se mostrar incapaz de explorar o espaço da casa onde as amigas se encontram. As cenas de ação, sobretudo a morte acidental de um stripper durante uma festa de despedida de solteira, são amadoramente filmadas e montadas. No entanto, a premissa tinha potencial para o humor de contrastes: a presença de um cadáver no meio de uma festa e a dúvida das amigas sobre como escondê-lo trariam conflitos por si próprias. As inseguranças de cada uma, as escolhas erradas, as maneiras de se livrar do corpo poderiam ser bem trabalhadas dentro do humor sarcástico.

Entretanto, a comédia falha neste aspecto: os momentos mais importantes para a verossimilhança (o fato de terem que carregar um corpo pesado, o ato literal de jogarem o cadáver no mar, a dificuldade em esconder os traços de sangue e drogas pela casa) são ocultados em elipses. A montagem deixa subentendidas as partes mais importantes para se acreditar naquelas personagens: Jess (Scarlett Johansson) representa uma política que nunca vemos de fato trabalhando na campanha; Pippa (Kate McKinnon) tem como única fonte de humor o fato de ser australiana – mesmo que o roteiro não tenha a menor ideia de como satirizar a diferença Estados Unidos-Austrália -, Blair (Zoë Kravitz) atravessa um período difícil em sua vida afetiva, mas o texto jamais lhe dá oportunidade de extravasar este conflito durante a festa. Como torcer pelas personagens reduzidas a um único traço de personalidade (a possessiva que não transa, a lésbica ativista, a estrangeira etc.)? Mesmo Jess não demonstra qualquer interesse real pelo noivo (o fraco Paul W. Downs, co-roteirista). As relações são fracas, artificiais. É difícil acreditar no amor profundo dessas garotas umas pelas outras e, portanto, de temer por elas quando estão em perigo.

O filme tenta compensar a falta de desenvolvimento de personagens com a sucessão de piadas sexuais. A Noite É Delas acredita ser um filme moderno ao colocar o quinteto feminino disparando frases sobre pênis e vaginas, enquanto o grupo dos rapazes realiza uma calma despedida de solteiro regada a degustação de vinhos. Aposta-se na simples inversão de valores: as mulheres, de quem se espera recato segundo os moldes tradicionais, são as mais desbocadas e selvagens, enquanto os homens são inseguros quanto ao tamanho do pênis, e infantilizados (ou simbolicamente castrados). Elas falam sobre depilação, menstruação, sexo oral, masturbação com os pés etc., enquanto os rapazes tomam a atitude romântica de atravessarem o país para reconquistarem a mulher de seus sonhos. Enquanto as amigas se tornam irracionais demais (como não perceberiam os claros problemas relacionados aos homens que entram na casa?), os amigos são reduzidos a tipos frágeis. A subtrama paralela sobre Peter usando fraldas geriátricas, limpando carros num posto de gasolina e negociando sexo oral para terceiros soa tão absurda, e francamente ridícula, que surpreende o fato de o roteirista ter oferecido o papel mais ingrato para si mesmo.

O elenco se revela razoavelmente competente, ainda que resultado seja previsível. Jillian Bell e Ilana Glazer possuem talento para a comédia mordaz, entregando suas punchlines sem dificuldade. No entanto, atuam num registro idêntico ao que têm oferecido na maioria de seus projetos no cinema e na televisão. Kate McKinnon, um fenômeno da comédia, é mais uma vez desperdiçada por um texto fraco e uma diretora incapaz de trazer nuances à personagem. Ao menos, ela não demonstra o mesmo desconforto de Zoë Kravitz para as cenas de sexo, ou ainda de Scarlett Johansson, pouco à vontade no papel. Ela já demonstrou traquejo para a comédia de costumes, envolvendo silêncios e desconfortos (vide os trabalhos com Woody Allen e Taika Waititi), no entanto a comédia baseada em trocas agressivas sobre piadas genitais escapa ao escopo da atriz. Existe boa vontade da diretora em fazer uma comédia feminista, na qual os homens se reduzem literalmente a pedaços de carne inertes. No entanto, seria preciso desenvolver a premissa para além da curiosa situação do assassinato involuntário.

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Crítico de cinema desde 2004, membro da ABRACCINE (Associação Brasileira de Críticos de Cinema). Mestre em teoria de cinema pela Universidade Sorbonne Nouvelle - Paris III. Passagem por veículos como AdoroCinema, Le Monde Diplomatique Brasil e Rua - Revista Universitária do Audiovisual. Professor de cursos sobre o audiovisual e autor de artigos sobre o cinema. Editor do Papo de Cinema.
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