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Sinopse

Durante a rodagem de um filme o interior, o diretor simplesmente desaparece. Enquanto a polícia faz o serviço de investigação, os trabalhos de filmagem não podem parar.

Crítica

O que quer o diretor e roteirista Valentin Merz com À Noite Todos os Gatos são Pardos? Se para o espectador atento talvez seja complicado compreender a que o cineasta ambiciosa, é fácil, por outro lado, entender suas motivações: a provocação, da forma mais óbvia e gratuita, talvez até mesmo infantil, uma vez que se verifica essa se dando através de um conservadorismo engessado, em desuso há mais de década, que encontraria espaço entre uma audiência claustra, desconectada da contemporaneidade e afeita aos ditos e presunções vistas talvez uma ou duas gerações atrás, mas em completa desconexão com a contemporaneidade. O mote desse confronto primário se dá, desde o primeiro instante, através da exposição da prática sexual, não apenas entre a conformidade heterossexual, mas, veja bem – olha só a ousadia! – incluindo ainda duplas homossexuais, sejam essas formadas por homens ou mulheres. Há na cinefilia de hoje alguém que se sinta incomodado por cenas como essas? Assim, o vazio do intento acaba por se espalhar por toda a proposta.

Merz, que não hesita em se colocar também no elenco, expõe corpos masculinos e femininos entre trocas íntimas – porém em cenários bastante públicos – exibindo com abundância beijos e línguas, peitos e pelos. Essa suposta ousadia, no entanto, rapidamente se torna inócua pela falta de aprofundamento ao percorrer o caminho por ele mesmo assumido. Afinal, a nudez é, na maior parte das ocasiões, apenas sugerida, sem cruzar barreiras ditadas pela “moral e bons costumes”. Da mesma forma, ao escolher figuras que, num primeiro momento, fogem de um padrão heteronormativo pré-determinado, faz uso desses de forma não mais do que pontual, como que registro de uma provável inconformidade, mas também deixando claro não ser capaz dele próprio de resistir aos alertas que tanto se esforça em acentuar. Não por acaso, quando um personagem mais adequado ao visual publicitário, com músculos trabalhados em academia, visual limpo e asséptico, surge em cena completamente vestido, não tardará até ganhar um solo em sua homenagem, como que a serviço do prazer de quem executa mas, principalmente, daqueles acomodados enquanto meros espectadores.

À Noite Todos os Gatos são Pardos, portanto, se resigna à mera condição de voyeur, próximo do que encara, mas à uma distância segura que não permita seu envolvimento com o próprio discurso levantado. Entre o fiapo de trama que ostenta, as filmagens de uma obra “transgressora” – como se ao fazer uso do cinema como auto-linguagem fosse desculpa suficiente para qualquer excesso – estão em curso, permitindo através dessa explorar uma rebeldia que se mostra escassa quando diante do todo que a envolve. Porém, quando o diretor responsável pelo “filme-dentro-do-filme” desaparece, uma investigação se faz urgente. O que lhe teria acontecido, quem estaria envolvido com o alegado crime e qual o sentido disso tudo? Seria realmente o inesperado se manifestando de modo decisivo no curso dos eventos, ou como parte de um quadro maior, somente mais uma etapa necessária para um efeito que, de tão ensaiado, nunca chega a ser atingido por completo?

Sem possibilitar encontros ou diálogos que encaminhassem a uma ligação capaz de servir de estímulo ao espectador, Valentin Merz, ao estrear no formato de longa-metragem, deixe evidente apenas o quão despreparado estava para um passo de tamanha ambição. À Noite Todos os Gatos são Pardos pode servir como brincadeira de estilo ou exercício masturbatório, mas falha miseravelmente nos campos que escolhe para traçar suas linhas, seja pela inquietação calculada que deixa transparecer entre seus preâmbulos, como também pelas jogadas ensaiadas que antecipam suas intenções logo nos seus instantes iniciais. Se o mistério à lá Agatha Christie naufraga pela ausência de interesse tanto por parte de quem o propõe, como também pela fraca recepção junto aos interlocutores, o que sobra é não mais do que um discurso vazio, que prega para convertidos sem, no entanto, oferecer a esses nem a surpresa do inesperado, como também não o instinto que sirva de impulso para ir além. São conversas de adultos, mas tratadas de modo tão pueril que permanece apenas a ingenuidade de uns e a insatisfação de todos os demais.

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é crítico de cinema, presidente da ACCIRS - Associação de Críticos de Cinema do Rio Grande do Sul (gestão 2016-2018), e membro fundador da ABRACCINE - Associação Brasileira de Críticos de Cinema. Já atuou na televisão, jornal, rádio, revista e internet. Participou como autor dos livros Contos da Oficina 34 (2005) e 100 Melhores Filmes Brasileiros (2016). Criador e editor-chefe do portal Papo de Cinema.
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