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Crítica

Falar que François Truffaut tinha Alfred Hitchcock como uma de suas inspirações não é novidade. Em algum momento de sua carreira, portanto, naturalmente a obra do mestre do suspense acabaria influenciando mais diretamente um de seus filmes. E o que mais se aproxima da filmografia do diretor inglês é A Noiva Estava de Preto, filme de 1968 que, curiosamente, foi um grande sucesso de bilheteria na França, mas que não agradou tanto a crítica da época. Realmente pode não ser uma obra-prima do francês, porém guarda muitos aspectos interessantes em sua narrativa.

Mais uma vez, Truffaut trabalha com Jeanne Moreau, esta no papel de Julie, mulher que tenta um fracassado suicídio e, a partir do fato, começa a elaborar um plano que não fica muito claro para os espectadores - até a primeira meia hora de filme. Ela se envolve com quatro homens - Bliss (Claude Rich), Morane (Michael Lonsdale), Delvaux (Daniel Boulanger) e Fergus (Charles Denner) – e os mata, um a um. O motivo? Vingança. Mas pelo quê?

Indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro, o longa é uma adaptação da obra homônima de Cornell Woolrich, escritor responsável pelo grande sucesso de Hitchcock, Janela Indiscreta (1954), e que viria servir como inspiração também por Truffaut em um de seus filmes seguintes, A Sereia do Mississipi (1969). A estrutura e a motivação de Julie remetem aos dois volumes de Kill Bill (2003 e 2004) e à Noiva, personagem de Uma Thurman nos filmes de Quentin Tarantino (cineasta que afirma nunca ter visto A Noiva Estava de Preto).

As referências a Hitchcock não terminam no fato do longa ser um suspense ou de ter como fonte de inspiração o mesmo escritor. A trilha sonora foi composta por Bernard Hermann, parceiro habitual do mestre do suspense e responsável por clássicas composições como as de Psicose (1960) e Um Corpo que Cai (1958). Além de emular a atmosfera dos filmes do cineasta britânico, um detalhe interessante da obra é que, a cada morte, a Marcha Nupcial ecoa, já dando pistas ao público, desde o início, sobre os motivos que levam Julie a cometer tais crimes.

Se pelo lado da exaltação o longa merece aplausos, por outro peca em algumas características, como o fato de Jeanne Moreau se comportar como um robô sem sentimentos. Entendemos a personagem pela história, mas não por sua composição em tela. Parece que faltam elementos que confiram à Julie mais camadas, mesmo que conheçamos o que aconteceu com ela. Da mesma forma, as mortes não são chocantes e algumas até quase incompreensíveis (como uma delas, causada quando o personagem é trancado em um compartimento abaixo das escadas).

Truffaut não ficou satisfeito com o resultado final de A Noiva Estava de Preto e talvez isso tenha influenciado a crítica e talvez até o público. Quem gostou muito foi o próprio Hitchcock, que, inclusive, escreveu elogios ao cineasta francês. Porém, o maior culpado por esta irregularidade da obra seja o próprio Truffaut, que preferiu um crime “ao acaso” como motor da vingança de Julie ao original do livro. Além disto, optou por um final que, estética e linguisticamente, pode ser até divertido, mas parece não casar com tudo o que ocorreu nos minutos finais. Nada que estrague o prazer da sessão, mas percebe-se que havia mais a ser explorado. O que, em tratando-se de Truffaut, pode gerar decepção.

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