Crítica
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Sinopse
Três homens da mesma família são obrigado a conviver sob o texto de um ambicioso empreendimento cubano-soviético que naufragou após o fim da União Soviética.
Crítica
Carlos Quintela tem apenas 31 anos, mas já é dono de uma filmografia que, ainda que enxuta, possui forte ressonância. Diretor de quatro curtas-metragens, estreou no formato longo com A Piscina (2011), premiado nos festivais de Havana, Marrakesh, Miami e Amsterdã. Nesta primeira experiência ele refletiu sobre o atual cenário sócio-político de sua Cuba natal partindo do microcosmo formado por uma área pública de lazer, onde se encontravam um instrutor e seus alunos. Quatro anos depois o cineasta está de volta com A Obra do Século, em que se apropria de um constrangedor episódio real para discutir a falta de perspectiva dos seus conterrâneos e o ocaso de uma nação iludida por um ideal de grandeza que nunca chegou a se concretizar.
Ainda que esteja mais pessimista, sentimento refletido desde a bela fotografia em preto e branco até pelo desenlace da história de poucos episódios que decide contar, Quintela segue irreversivelmente envolvido por seus próprios personagens, abraçando mesmos aqueles mais reprováveis. Em cena temos um trio masculino, três versões de um mesmo homem que percorre uma família deixada para trás assim como o próprio país onde se encontram. Um está de partida, o outro acabou de chegar. E justamente aquele do qual nada se espera é o que irá provocar mudanças, dando início a um processo tão incômodo como necessário. Tudo isso, é importante ressaltar, ocorrendo à sombra do fracasso de um projeto coletivo abandonado pelo tempo e pelo desligamento de razões ultrapassadas.
No início da década de 1980, o governo cubano, apoiado – moral e financeiramente – pela poderosa União Soviética, deu início à construção de um reator nuclear na província de Cienfuegos. No dia 26 de abril de 1986, no entanto, ocorreu a grave tragédia de Chernobil, e três anos depois, com a Queda do Muro de Berlim, a proposta de um mundo dividido entre duas visões econômicas e culturais parecia não ter mais sentido. Com isso, muito foi revisto, inclusiva a gigantesca construção ainda não finalizada em Cuba. Assim, se impondo como um elefante branco desprovido de sentido, percebemos a inutilidade das existências de Rafael (Mario Guerra), que parece correr de lá para cá, tentando agradar a todos, menos a si mesmo; Leo (Leonardo Gascón), filho deste e que voltou para casa após uma traumática separação, buscando um tempo para si enquanto procura decidir como seguir em frente; e Otto (Mario Balmaseda), avô de um e pai do outro, o ranzinza que só sabe reclamar e proferir bravatas cuja serventia é demonstrar o quão mal os anos lhe trataram.
Mas seria por demais deprimente juntar estas três figuras patéticas – o rapaz másculo, porém fragilizado; o homem quase feminino, que leva os dias cuidando do pai mais por um sentimento de culpa do que por real afeto, ao mesmo tempo em que tenta ser suporte para o filho que não vê nele um exemplo; e o velho inútil que só encontra propósito nos resmungos exagerados para não ser esquecido – apenas para refletirem um futuro inviável. Assim, o diretor concede a sua narrativa alguns momentos de puro lirismo – como o cachorro que se recusa a morrer – em que coloca em dúvida certezas arraigadas. Assim, ele dota seu filme de um potencial maior do que se suspeitava até o momento, indicando que talvez A Obra do Século não seja aquela erigida pelas mãos humanas, mas sim a transformação passível de acontecer dentro de cada um. Bastando para isso, portanto, simplesmente querer.
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