Crítica
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Sinopse
Em uma pequena cidade do interior, durante a crise econômica que abala o país, um grupo de moradores decide reunir a quantia necessária para comprar alguns silos abandonados e formar uma cooperativa. Mas, antes de executar o projeto, um golpe faz com que atinjam o fundo do poço e reajam diante da injustiça.
Crítica
Quando algo similar aconteceu no Brasil, o cinema nacional respondeu com um conto melancólico sobre a falta de esperança e a busca de melhores oportunidades no exterior. Agora chegou a vez de nossos vizinhos argentinos fazerem a mesma reflexão frente a um passado tão similar. A visão que apresentam, no entanto, é ligeiramente mais positiva, ainda que não tão inspirada. É curioso observar em A Odisseia dos Tontos os paralelos possíveis deste com o nosso Terra Estrangeira (1995), pois ambos partem de um ponto próximo, mas alcançam destinos bastante distintos. E se o filme de Sebastian Borensztein não é efetivo em apresentar resultados tão auspiciosos e revolucionários quanto o do seu colega brasileiro, ao menos é simpático o suficiente para fazer de sua jornada um caminho de auto-aceitação e reencontro, tanto dos personagens consigo mesmos como deles com o lugar onde vivem.
O caos econômico instaurado pelo Governo Collor, que bloqueou as contas correntes de toda a nação no início dos anos 1990, se repetiu na Argentina dez anos depois, no movimento que ficou conhecido como ‘corralito’. A Odisseia dos Tontos se passa justamente nestes dias de grande tensão e desespero. Fermín (Ricardo Darín), um ex-jogador de futebol de relativo sucesso, agora mora no interior, em companhia da esposa. Os dois, ao lado de alguns amigos próximos, sonham em restaurar uma fábrica de grãos, há muito abandonada, e com ela uma forma de ganharem a vida, mas também, no processo, oferecer um novo gás para a região, gerando empregos e oportunidades. A solução, portanto, é a formação de uma cooperativa, integrando vizinhos e conhecidos. Cada um faz sua parte, e mais de US$ 150 mil é reunido. Esse dinheiro, no entanto, estava depositado num banco quando tudo foi congelado. A impressão é de terem sido vítimas de uma infeliz coincidência, mas logo descobrem que a realidade é ainda mais cabulosa.
Após uma sequência de acasos, o que percebem é que foram vítimas de um golpe. O gerente que os havia aconselhado, por trás destas supostas boas intenções, escondia outros objetivos, bem mais escusos: sabia da futura decisão presidencial, e em conluio com um advogado, o ajudou com uma carta de crédito que possibilitou a retirada de todo o montante acumulado na agência. Ou seja, era do seu interesse pois, quanto maior fosse o valor que estivesse sob sua responsabilidade, maior seria o seu ganho. Quando os principais lesados ficam a par dos fatos, só há algo a ser feito: partir para a vingança. Mas não algo que recorresse à força bruta ou à violência extrema. Um deles até chega a dizer: “por quê não vamos até lá e damos uma surra nele?”. A resposta, como não poderia deixar de ser, ainda mais dita por um ídolo como Darín, surge pronta: “porque somos pessoas do bem, e queremos apenas o que é nosso de direito”.
Os tontos do título, como se percebe, somos todos nós. É o povo, aquele do lado de cá, que sofre de acordo com a direção do vento, sempre sujeito aos mandos e desmandos das autoridades. Um deles, comunista assumido, declara que havia chegado a vez de se tomar a dianteira de suas próprias ações. É mais ou menos isso que acontece. Mas não estão sozinhos, não é cada um por si. São pessoas que se conhecem de toda uma vida, e estão em busca apenas do que lhes é justo. Ou que assim imaginam ser. O conjunto, eclético, aponta desde veteranos cansados de guerra como jovens sem rumo, um pai de família irresponsável a uma empresária que acaba sendo o pilar daquela pequena sociedade. Ainda assim, a diversidade se dá mais pelas origens e aspirações, e menos pelo que cada uma daquelas figuras representa. Não há negros, muito menos gays, e até as mulheres são decorativas, e em número reduzido – das duas únicas apresentadas, uma sai logo de cena, enquanto que a outra se mostra ausente das passagens de maior tensão.
Assim, Borensztein e os dois Darín – além de Ricardo, está também no elenco o filho dele, Chino, os dois repetindo na ficção o mesmo parentesco que os une – lideram uma história de planos mirabolantes, como Hollywood tão bem tem feito há décadas, mas dotado de um sabor tipicamente latino, deixando claro o quanto o contexto termina por ser determinante para o rumo dos acontecimentos. Com humor bem dosado e doses precisas de adrenalina, prende a atenção sem exigir muito da audiência, principalmente por evitar o tráfego por zonas mais nebulosas. É tudo muito preto no branco, acrescido de uma moral óbvia, por mais entusiasta que seja. Uma aventura à moda antiga, que funciona enquanto passatempo, mas que pouco deverá perdurar nas lembranças de quem dela compartilhar. Além, é claro, de servir como uma nota de rodapé que comente uma passagem trágica de um país que, assim como tantos outros, atingiu o fundo do poço, mas não desistiu e segue de cabeça erguida, buscando meios de como se levantar sem causar maiores estragos.
Filme visto na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, em outubro de 2019
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