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Crítica

O coração é um músculo inquieto. Nem mesmo a fome, o frio e as tensões políticas que assolam o vilarejo de Schabbach, na Prússia da metade do século XIX, impedem o coração do jovem Jakob Simon (Jan Schneider) de bater. Pelo contrário. Ao perceber o horizonte sombrio das famílias da região, muitas delas forçadas a emigrarem, deixando para trás um rastro afetivo impossível de compensar na distância, o filho de um ferreiro com uma analfabeta é o símbolo puro da pulsão de um povo.

A Outra Pátria é um trabalho estupendo do diretor Edgar Reitz. Exibido fora de competição no Festival de Veneza de 2013, vencedor do German Film Award em 2014, o longa de quatro horas é a adaptação para o cinema da série Heimat, levada  pelo diretor à televisão desde 1984. Com força cinematográfica poucas vezes vista e atuação destacada de Schneider, o filme recorta parte da História alemã para contar a trajetória do jovem protagonista rumo ao Novo Mundo, em especial ao Brasil e ao Rio Grande do Sul.

Jakob é a revolução social possível somente pelo sangue germânico. Sem rastros de violência e com uma insubordinação recatada, o garoto é a nova mentalidade de um país que se transforma à força. Desamparados pelo Imperador surdo às necessidades da população e oprimidos pela corrosiva carga de impostos, os alemães passam a dizer não para um modelo político vigente completamente injusto e desigual. Como alternativa – por vezes soando próximo ao resgate divino ansiado pela disciplinada fé protestante –, chegam à região notícias de um mundo em que o “inverno inexiste” e a abundância de terras só não é maior do que a necessidade dos governantes do lugar em receber estrangeiros.

Desinteressado por dar continuidade no trabalho paterno – o que significaria dar continuidade à precariedade da vida e resignar-se ao destino ingrato que se afigura – o jovem entrega o tempo livre à paixão pela leitura. Os livros, caminho para as ideias de mudança que tomam conta da Europa, servem como as trombetas dos anjos a anunciar o paraíso na terra – o Novo Mundo. A literatura encontra no peito de Jakob apenas a concorrência de uma jovem. Mas amá-la é tarefa mais árdua do que vencer as páginas.

Para compor o cenário grandioso, Reitz optou pelos matizes do preto e branco, que retiram da narrativa as marcas da época e suspendem a temporalidade. Na composição dos quadros, o tradicional diretor de fotografia alemão Gernot Roll (Lugar Nenhum na África, 2001) fez um trabalho irretocável. Ao procurar constantemente o recurso de combinar o iniciar da cena em plano aberto em movimento com o desfecho no close, em geral de um objeto ou situação secundária, a linguagem de Roll permite ao filme, junto à trilha sonora recorrente, a construção de um épico particular. A união de beleza e agilidade narrativa dá A Outra Pátria os contornos ansiosos do coração juvenil do protagonista.

Por ser um projeto audacioso e realizado em momentos distintos, não pensado exclusivamente para o cinema, o filme encontra aqui e ali algumas dificuldades. Há, por exemplo, uma evidente perda de ritmo entre o primeiro e o terceiro ato. Da mesma formas, as transições – que apostam em fades e sobreposições, remetendo-nos ao cinema do início do século XX – contam com passagens menos naturais e orgânicas, como a de Jakob que, tal qual a donzela dos romances de cavalaria, caminha no leito do rio suspirando pelos governantes brasileiros, responsáveis pelas benesses futuras.

Feito sutis pinceladas imperfeitas, as fraquezas desaparecem frente ao resultado final, como ousa acontecer com os grandes quadros. A debater-se entre o mais puro sentimento de Thoreau e a nostalgia da pátria abandonada, Reitz realiza um filme que procura encontrar o sentimento da despedida. Pois o adeus, nos lembra o protagonista, é natural para todos nós.

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