A Paixão de Anna
Crítica
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Sinopse
Depois do fim do casamento, Andreas (Max von Sydow) passa por uma fase de isolamento emocional, então ele decide se mudar para uma ilha no meio do Mar Báltico. Lá ele conhece Anna (Liv Ullmann), que assim como ele está sofrendo, só que por causa da morte do marido e do filho, que também se chamava Andreas. Os dois tornam-se amantes, mas para ambos é difícil esquecer o que aconteceu anteriormente em suas vidas, e Anna começa a ser atormentada por uma série de delírios. Enquanto isso, a ilha passa por um momento ruim também: animais estão sendo encontrados brutalmente assassinados, o que choca a população, que acreditam haver um maníaco entre eles.
Crítica
Com mais uma Anna como protagonista, Ingmar Bergman desenvolve neste contundente drama uma pequena grande obra sobre os relacionamentos humanos e suas figuras que, pontuadas por tragédias, se tornam destinadas a nunca terem estancadas algumas feridas. A partir de uma simples premissa, somos apresentados a Andreas (Max von Sydow), solitário até ter sua rotina alterada por Anna (Liv Ullmann), ela que pede emprestado seu telefone. Andreas volta a encontrá-la para devolver uma bolsa esquecida, passando então a se relacionar com ela e com o casal que a abriga, descobrindo os prazeres e os problemas presentes em um novo envolvimento romântico.
A Paixão de Anna (1969) não abusa do simbolismo costumeiro de Bergman, como o diretor sueco apresentou em clássicos como O Sétimo Selo (1957) ou mesmo em sua “Trilogia do Silêncio”, porém analisa de forma esmiuçada toda a psique humana envolta na necessidade de afeto. Deixando de lado suas indagações religiosas, Bergman tece um drama mais humano, porém não deixa de lado questionamentos comuns aos seus outros filmes, como o lugar de cada um, seja na sociedade, seja dentro da própria família. De forma sutil, mas bastante inteligente, Bergman utiliza a morte sacrificada de alguns animais em sua história como metáfora para o ressentimento de seus personagens por casos do passado.
Andreas parece estar ao lado de Anna para acabar com o sofrimento dela, uma vez que percebe ter o dom de acalentar suas tristezas. Em determinados instantes acreditamos em sua felicidade, mas logo ele se toma de lembranças e se envolve em pensamentos transpostos em belos monólogos sobre sua atual condição, que o faz feliz, porém o confunde e o entristece em outros momentos. Anna, por sua vez, entende Andreas exatamente como ele se mostra a ela, como uma possibilidade de viver novamente, apagando os fantasmas de seu passado. E se nos poucos momentos, no início do filme, em que o vemos com Eva acreditamos na sua intenção de possuir um relacionamento com esta, podemos interpretar que ele enxerga em sua nova vida, dividindo sua morada com Anna, uma comodidade.
Interrompendo a trama em um total de quatro vezes, Bergman utiliza um artifício pouco usual no cinema, quando inclui o que nomeia de interlúdios, onde cada um dos quatro atores principais, um por vez, analisa seu personagem em um pequeno momento. Essas cenas não acrescentam muito à narrativa, mas, por serem relatos verdadeiros, instigam o espectador a prestar maior atenção aos detalhes analisados pelo elenco, uma vez que os atores imersos em seus papéis conhecem a fundo os personagens e as intenções dos mesmos. Tais cenas também, curiosamente, não quebram o ritmo do filme ou o tornam desinteressante.
Três grandes nomes consagrados por filmes do diretor estão presentes em A Paixão de Anna: Max von Sydow, Liv Ullmann e Bibi Andersson. O primeiro, como Andreas, desenvolve seu personagem inicialmente como um homem triste e sofrido, consciente de sua solidão, que muda aos poucos quando encontra em Anna uma parceira. Liv Ullmann, com seu olhar incrivelmente expressivo, destaca-se facilmente por tecer em Anna uma persona maleável, caracterizada por sua fragilidade. E, por fim, Bibi Andersson, que coadjuva como Eva, encanta com a força de sua atuação mesmo nos pequenos momentos do filme em que aparece.
O roteiro de Bergman neste filme duela pelo posto de principal atrativo juntamente com diversos outros elementos, como sua própria direção, a natural desenvoltura do mesmo para dirigir seu elenco, o já citado empenho dos atores e, como não poderia deixar de ser mencionado, a estupenda fotografia de Sven Nykvist. O colaborador habitual de Bergman mostra em A Paixão de Anna uma capacidade técnica imensa, tão inteligente na utilização de sombras, cores e detalhes, que chega a emocionar qualquer amante da sétima arte, também facilmente amante dos filmes de Bergman. É fantástico perceber o empenho e aptidão dos dois mestres que transpuseram todas as suas respectivas capacidades advindas do cinema ainda preto-e-branco para o cinema a cores, e as aperfeiçoaram ao longo do tempo.
Por fim, A Paixão de Anna figura dentre os filmes menos otimistas de Bergman, em sua jornada para retratar a alma humana no cinema. O sueco não deixa esperança para os personagens que criou e o pouco que se pode esperar para os mesmos se esvai ao longo da trama, até seu final, que não poderia ser mais amargo e pessimista. O filme acabou se tornando esquecido dentre a laureada filmografia de Bergman, também por ser ofuscado por outros de seus trabalhos, produções em alguns casos até menores. Este é outro grande trabalho do diretor, que obrigatoriamente merece ser mencionado e figurar dentre as magistrais obras de um eterno mestre.
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